Mayombe: romance angolano entra para leitura obrigatória da Fuvest
O estudo da literatura africana de expressão portuguesa já estava presente nas universidades brasileiras desde o começo da década de 1980.
A inclusão do romance "Mayombe", do escritor Pepetela, tem, portanto, o mérito de difundir essa literatura, indiscutivelmente rica, também no ensino médio do país. Ao mesmo tempo, indica a continuidade dos esforços de aproximação do Brasil com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, por meio da cultura. É uma iniciativa louvável e significativa.
Por outro lado, pode-se supor que a grande maioria dos vestibulandos talvez nunca tenha ouvido falar em "Mayombe", nem em seu autor, de modo que vale a pena apresentá-lo em linhas gerais.
Para começar, Pepetela é o pseudônimo do angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nascido em 29 de outubro de 1941, na cidade de Benguela, no litoral do país. Na década de 1960, começou a cursar engenharia, mudou para letras, mas acabou se decidindo pela política e passou a integrar o MPLA – Movimento Popular para a Libertação de Angola, um dos vários movimentos que lutavam pela independência do país, então uma colônia de Portugal.
Seria difícil resumir em um parágrafo o processo de luta que se estendeu por cerca de 15 anos, entre os angolanos e portugueses, até a independência obtida em 1975. Para complicar, depois disso, eclodiu uma guerra civil entre as duas principais forças políticas no país, o já citado MPLA e a Unita – União Nacional Para a Independência Total de Angola, que durou até 2002. De qualquer modo, é importante ressaltar que é esse panorama de conflito revolucionário e da história angolana que marcam a literatura de Pepetela.
Por seu envolvimento político, o escritor teve de viver no exílio e só após a independência retornou ao país, integrando o governo do presidente Agostinho Neto, como vice-ministro da Educação. Nessa época, por sinal, lançou boa parte de sua obra, como "Muana Puó" (1978), "As aventuras de Ngunga" (1979) e "Mayombe" (1980). Este último livro, agora incluído na lista da Fuvest, retrata a experiência do autor na guerra revolucionária, mostrando o convívio de guerrilheiros de diversas origens étnicas e sociais em que se divide a nação angolana.
Ana Mafalda Leite, professora de literatura africana em português da Universidade de Lisboa, considera "Mayombe" uma obra ao mesmo tempo crítica e heroica, que destaca a diversidade étnica angolana e ilustra as divisões tribais presentes naquele país e o levariam à guerra civil. Para a professora Leite, o romance é ainda o relato do conflito que define a fundação da pátria. Mas é interessante acrescentar a esse respeito a própria opinião do autor, para quem o texto seria uma simples reportagem sobre a guerra, mas como o texto acabasse lhe parecendo muito frio, ele foi escrevendo mais e mais, até transformá-lo num romance.
Em 1982, ao aposentar-se, Pepetela passou a se dedicar somente à literatura e desenvolveu uma obra de caráter mais crítico e desencantado com os desdobramentos da história angolana após a independência, considerando a guerra civil e os altos níveis de corrupção nos órgãos governamentais. Também enveredou pelo realismo-fantástico, no romance "O desejo de Kianda" e ainda em "A gloriosa família", onde o fantástico e a história de Angola se misturam.
Pelo conjunto da obra, Pepetela foi agraciado, em 1997, com o prêmio Camões, atribuído aos autores que notoriamente enriqueceram o patrimônio literário e cultural da língua portuguesa. A consagração, contudo, não significou o ápice da carreira do escritor, seguido de um inevitável declínio. Pelo contrário, Pepetela continua a escrever e a se renovar como escritor, enveredando pelo gênero da sátira, com o livro policial "Jaime Bunda", e até a ficção científica, com o romance "O quase fim do mundo" (2008).
Em tempo, Mayombe, que dá título, ao romance que os candidatos ao vestibular da Fuvest devem ler a partir de agora, é o nome de uma região montanhosa da África, que se estende por vários países, entre os quais Angola, na província de Cabinda. E "Pepetela" significa cílios ou pestana, em uma das línguas africanas de Angola, sendo uma referência a um dos sobrenomes do autor.
Veja errata.
*Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação, responsável pelo Banco de Redações do UOL.
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