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"Estou feliz demais da conta", diz catadora que passou na Ufes com livros encontrados no lixo

Kauê Scarim/Ufes
Imagem: Kauê Scarim/Ufes

Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

13/03/2012 15h27Atualizada em 13/03/2012 15h50

É quase possível enxergar o sorriso da catadora de recicláveis Ercília Stanciany da Silva Mozer, 41, na entrevista concedida por telefone ao UOL. O sotaque mineiro também se sobressai enquanto ela conta a nova rotina que, agora, inclui aulas no curso de artes plásticas na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo).

O dado mais curioso da história é que Ercília encontrou seu material de estudo enquanto trabalhava, ou seja, no meio do material descartado para a reciclagem. "Uma das coisas que mais chamou a atenção foi o desperdício do material", afirma Everaldo Mozer, 47, marido de Ercília. "Acho isso um absurdo isso que estão fazendo: em vez de pegar o livro e doar, joga fora. Se não tem mais utilidade que devolva para escolas, colégios, biblioteca.”

Ercília já pensa em retribuir o que aprendeu: “quando terminar minha casa aqui quero fazer uma biblioteca em um cômodo nos fundos. Quero ajudar pessoas que talvez estejam com o mesmo problema que eu tive".

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15 minutos de fama

Ercília lembra que desde que sua história saiu na imprensa ela passou a ser reconhecida por onde anda. “Nossa já tirei tanta foto. Quase sempre alguém lá da universidade me para e tira uma foto”, conta a universitária, rindo da situação.

Apesar dessa repercussão positiva, ela destaca que há pessoas que querem usar sua história de forma errada. “Tem muita imprensa sensacionalista me procurando. Já me ofereceram até passagem para eu ir a um programa de televisão. Mas não quero isso. Não quero ficar na rede de televisão para ficar falando os pontos negativos da minha história. Quero passar as coisas boas, se meu exemplo de vida servir para uma pessoa que seja, então já vai ter valido a pena”, desabafou.

Agora eu sei o que é bacharelado

"Lá é grande demais, meu Deus!", conta Ercília com entusiasmo. "Nossa, tenho até aprendido coisas que nem sabia que existiam. Agora sei que sou uma caloura, o que é bacharelado, RU [restaurante universitário]. A semana foi bem cheia”. Segundo a universitária, que mora no Espírito Santo há oito anos, os últimos dias têm sido "uma correria só", principalmente para conseguir conhecer e saber tudo o que Ufes oferece aos estudantes, como "biblioteca, xerox".

Mesmo com a rotina desgastante -- ela sai de casa às 5h da manhã e retorna por volta das 21h --, a animação de Ercília supera o cansaço. E de longe. “Não faltei em nenhuma aula. Deixei de almoçar praticamente todos os dias para conseguir chegar a tempo nas palestras de boas vindas dos professores”, afirmou. “Nessa semana os horários ainda não estavam definidos. Tivemos algumas aulas de manhã, outras a tarde. Mas acho que só vou conseguir descansar daqui a um mês [risos]”.

Na última sexta-feira (9) dona Ercília completou a primeira semana de aula do curso de artes plásticas da Ufes (Universidade Federal do Espirito Santo), iniciado no dia 5 de março. “Estou feliz demais da conta. Tem hora que eu nem sei o que estou sentindo. Era um sonho de infância e agora estou realizando”, disse emocionada.

Sonho realizado

A felicidade foi tamanha que a caloura saiu de casa de madrugada e foi a primeira a chegar no dia da matrícula do curso. “Fiquei tão emocionada que não estava conseguindo assinar os papéis. Não lembrava nem o número do meu celular. Nem o nome do ônibus na hora de ir embora eu conseguia lembrar”.

O caminho até chegar a universidade não foi nada fácil. Tirada da escola pelo pai – falecido há três anos – após concluir a antiga quarta série, até hoje ela não entende o real motivo da proibição. “Meu pai era rígido, era bravo. Quando eu passei para a quinta série ele simplesmente não deixou minha mãe me matricular. Até a professora foi a minha casa para pedir para meus pais, mas não foi possível. Mas tudo bem, são páginas viradas”.

O desejo por voltar a escola novamente ganhou força e em 2009 ela conseguiu ingressar na EJA (Educação de Jovens e Adultos) e não parou mais. Concluiu os ensinos fundamental e médio, prestou o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e passou no vestibular da Ufes.

Próximos passos

Para o futuro, o objetivo inicial é conseguir se formar. Mas Ercília nem pensa em parar de estudar: “quero concluir o curso e depois continuar estudando. Talvez fazer mestrado, pois quero dar aula. Além disso quero montar um ateliê de restauração. Mas isso vou descobrindo aos poucos. O campo das artes plásticas é bem amplo”.

Em relação aos gastos que terá em sua vida universitária, a estudante já deu entrada nos processos de solicitação de bolsas. Além disso, já recebeu muitas doações de pessoas que ficaram comovidas com sua história.

Segundo ela, há ainda um problema que precisa resolver para vivenciar 100% essa experiência. Seu filho de seis anos ainda não está matriculado na escola, pois a vaga disponível ficava a 5 km da casa da família. “Já estamos vendo com a Secretaria de Educação. É um absurdo a mãe dele estar na faculdade e ele não poder estar na primeira série”, desabafou. “E quando conseguir acho que vou ser bem firme com os estudos dele, principalmente porque agora poderei ajudá-lo melhor”.

“Não estou com medo de nada. O mais difícil foi chegar até aqui. Sempre soube que tinha força, mas não sabia que era tanta. A preocupação com o dinheiro existe. Mas quando a pessoa está acostumada a passar dificuldade na vida a gente não estranha as provas que Deus dá. No fim tudo dá certo”, concluiu.