"Entreguei ao despachante que eu não lembro o nome"
Atualizado em 28/01/2015, às 16h47
Por Dílson Catarino*:
Entreguei o documento ao despachante que eu não lembro o nome dele...
Essa frase fez parte de uma propaganda de rádio na cidade em que moro, Londrina, PR. A inadequação apresentada é muito corriqueira; poucos são os que dominam o uso desse pronome considerado extremamente difícil pelos estudantes do Brasil: trata-se do pronome relativo.
Há seis pronomes relativos, que recebem esse nome porque relacionam uma oração que eles introduzem a um substantivo ou equivalente que substituem e que se situam anteriormente a eles na frase. São os seguintes: que, quem, qual, onde, quanto e cujo. Eles impedem a repetição de um substantivo, ligando duas orações em um mesmo período. Por exemplo:
- "As crianças foram atacadas por dois cães estranhos; as crianças estavam brincando no pátio; os cães foram abatidos pelo síndico do prédio".
Para evitar a repetição dos substantivos "crianças" e "cães", poderíamos utilizar os pronomes pessoais "elas" e "eles" respectivamente:
- "As crianças foram atacadas por dois cães estranhos; elas estavam brincando no pátio; eles foram abatidos pelo síndico do prédio".
Essa substituição, porém, não impede a formação de frases telegráficas, frases curtas. Para evitar isso, utiliza-se o pronome relativo que:
- "As crianças que estavam brincando no pátio foram atacadas por dois cães estranhos, que foram abatidos pelo síndico do prédio".
O pronome relativo que substitui tanto pessoas quanto qualquer outro elemento, como ocorreu na frase acima.
O pronome relativo quem substitui apenas pessoas, nunca funciona como sujeito da oração nem pode ser usado sem preposição. Por exemplo:
- "Você falou do despachante; não me lembro do despachante" = "Não me lembro do despachante de quem você falou".
- "O professor cometeu um equívoco; estudamos com o professor: = "O professor com quem estudamos cometeu um equívoco".
- "O professor desculpou-se com os alunos; o professor cometeu um equívoco" = "O professor que cometeu um equívoco desculpou-se com os alunos".
Nesse último caso, não se pode usar o pronome quem, pois ele funcionaria como sujeito da oração.
O pronome relativo qual (o qual, a qual, os quais, as quais) substituem que e quem:
- "As crianças as quais estavam brincando no pátio foram atacadas por dois cães estranhos, os quais foram abatidos pelo síndico do prédio".
- "Não me lembro do despachante do qual você falou".
- "O professor com o qual estudamos cometeu um equívoco".
- "O professor o qual cometeu um equívoco desculpou-se com os alunos".
O pronome relativo onde substitui "em que" na indicação de lugar:
- "Essa frase faz parte de uma propaganda de rádio na cidade em que moro" = "Essa frase faz parte de uma propaganda de rádio na cidade onde moro".
O pronome relativo cujo indica posse. Somente será usado quando substituir a frase "algo de alguém". Com a utilização desse pronome, haverá a frase "alguém cujo algo":
- "Os cabelos da menina = A menina cujos cabelos";
- "O livro da professora = A professora cujo livro";
- "Os pais do menino = O menino cujos pais".
Não se deve usar artigo (o, a, os, as) após cujo, pois ele está contraído com o próprio pronome: "cujo + os cabelos = cujos cabelos"
A razão pela qual a frase apresentada está inadequada aos padrões cultos da Língua Portuguesa é que há a indicação de posse: "O nome do despachante"; o pronome relativo usado, então, deve ser "cujo": "O despachante cujo nome". Deveria ser assim estruturada:
Entreguei o documento ao despachante cujo nome não lembro...
*Professor de gramática da língua portuguesa, literatura e redação, desde 1980.
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