Questão 7 Literatura
Unicamp - 2009
Na seguinte cena do Auto da Barca do Inferno, o Corregedor e o Procurador dirigem-se à Barca da Glória, depois de se recusarem a entrar na Barca do Inferno:
CorregedorÓ arrais dos gloriosos, passai-nos neste batel!
AnjoÓ pragas pera papel, pera as almas odiosos! Como vindes preciosos, sendo filhos da ciência!
CorregedorÓ! habeatis clemência e passai-nos como vossos!
Joane (Parvo)Hou, homens dos breviairos, rapinastis coelhorum et perniz perdiguitorum e mijais nos campanairos!
CorregedorÓ! Não nos sejais contrairos, Pois nom temos outra ponte!
Joane (Parvo) Beleguinis ubi sunt? Ego latinus macairos. |
pera: para
habeatis: tende
homens dos breviairos: homens de leis Rapinastis coelhorum?Et perniz perdiguitorum:Recebem coelhos e pernas de perdiz como suborno
Beleguinis ubi sunt?: Onde estão os oficiais de justiça?
Ego latinus macairos:Eu falo latim macarrônico
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(Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno, São Paulo: Ateliê Editorial, 1996, p.107-109.)
a) De que pecado o Parvo acusa o homem de leis (Corregedor)? Este é o único pecado de que ele é acusado na peça?
b) Com que propósito o latim é empregado pelo Corregedor? E pelo Parvo?
Resposta:
a) Joane, o Parvo, acusa o Corregedor de se deixar subornar com as ofertas de coelhos e pernas de perdiz, sendo, desse modo, segundo o Diabo, um "santo descorregedor", sentenciando com pouca honestidade, ("quia Judicastis malitia"). Além disso, há referência ao desrespeito do Corregedor aos mortos, uma vez que urinara nas campas.
Outro delito do qual o Magistrado é acusado pelo Diabo é o de ter explorado os trabalhadores inocentes ("ignorantes do pecado"): " A largo modo "adquiristis/sanguinis laboratorum, / ignorantes peccatorum".
b) O Corregedor emprega o latim de uso jurídico, que caracteriza o homem de leis, tipificando a personagem. O Parvo, por sua vez, vale-se do latim de maneira humorística e, consciente dos seus erros, declara falar latim "macarrônico", isto é, mistura de latim e português. Para o Corregedor, o latim é instrumento de autoridade; para o Parvo, ao contrário, é um instrumento de contestação da autoridade e de zombaria da pompa de que se reveste o discurso autoritário.