|
Drummond é recorrente em vestibulares Por Ívian Lara Destro Do Cursinho da Poli Drummond é leitura obrigatória para o vestibular. Suas obras constam da maioria das listas de livros indicados pelas universidades. O aluno precisa, portanto, aprender a ler poemas do Drummond, a interpretá-los de forma coerente e a estabelecer vínculos histórico-culturais com outras obras da nossa cultura. Leia com atenção e fique afiado para o vestibular: A flor e a náusea Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me? Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça. O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse. Em vão me tento explicar, os muros são surdos. Sob a pele das palavras há cifras e códigos. O sol consola os doentes e não os renova. As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. Vomitar esse tédio sobre a cidade. Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado. Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem. Crimes da terra, como perdoá-los? Tomei parte em muitos, outros escondi. Alguns achei belos, foram publicados. Crimes suaves, que ajudam a viver. Ração diária de erro, distribuída em casa. Os ferozes padeiros do mal. Os ferozes leiteiros do mal. Pôr fogo em tudo, inclusive em mim. Ao menino de 1918 chamavam anarquista. Porém meu ódio é o melhor de mim. Com ele me salvo e dou a poucos uma esperança mínima. Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor. Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Carlos Drummond de Andrade, em A Rosa do Povo COMENTÁRIO Ao ler esse poema de Drummond, percebemos que a "flor" é um símbolo de construção em meio a um mundo que inspira a "náusea". Para iniciarmos uma reflexão sobre o universo existencialista e linguístico drummoniano, o poema "A flor e a náusea" nos convida a refletir sobre algumas questões: Carlos Drummond de Andrade é considerado um dos maiores poetas do século XX. Uma das vertentes de sua poética revela a tensão entre o eu e o mundo. Muitas vezes, esse sentimento de uma realidade inconsistente (como vimos no poema "A flor e a náusea") desdobra-se em reflexões sobre a linguagem e sobre a função da poesia no mundo moderno. O livro Alguma Poesia desenvolve uma temática que ressoará em toda a sua poesia: o indivíduo. Mas esse, não se adapta ao mundo, parece "um eu todo retorcido". Vejamos a primeira estrofe do "Poema de sete faces", que abre o livro: Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. Essa primeira estrofe do poema apresenta um tom melancólico: quando nasceu, o destino do poeta foi revelado por um anjo "torto" que "vive na sombra". Poderíamos aqui, lembrar de uma passagem bíblica: Lúcifer fora um anjo, que não concordando com os desígnios de Deus fora expulso do paraíso e desafiado a governar a Terra. Será esse o anjo tortuoso, diferente da concepção habitual de luminosidade e candura dos anjos? Além disso, é perceptível a ironia, quando o poeta usa o termo "gauche" (palavra francesa que significar um trotar desajeitado de cavalo). Aqui, o vocábulo parece transmitir essa ideia de inadequação, de estranhamento. Precisamos lembrar que esse termo adquiriu um sentido político: esquerdo, que no momento histórico da década de 30 (ditadura Vargas) dá mais força à ideia de alguém que está contra a corrente. Gauche seria o eu que está engajado em transformar um mundo perdido em individualismos, velocidades e consumo. Poderíamos imaginar que o poeta, em seu nascimento, foi destinado a não se identificar com o mundo em que vive? Há uma sugestão de desencontro entre o eu e o mundo? Refletindo sobre o século XX, no mundo moderno, as pessoas vivem numa velocidade alucinada em busca de suas conquistas pessoais. O indivíduo deve querer ser cada vez o melhor, para se destacar em meio à massa. Manter uma imagem superficial de beleza que o dinheiro pode comprar. Nesse contexto individualista e competitivo, qual seria a função da poesia, do poeta? Ser gauche, esquerdo, inadequado? Não aceitar que o ser humano seja coisificado pela televisão, pela revista, pelo jornal, pelo governo, pelo mercado? É através de sua palavra, que o poeta critica, conscientiza, transforma. A leitura de um poema propõe uma pausa: refletir, sentir as palavras, devanear, comover. Através dessa proposta de comover (mover em conjunto), como a poesia está presente no mundo moderno? Quantas vezes você para, em seu dia, para refletir sobre essa relação entre o eu, o mundo, a imagem? Quando puder fazer isso, convide seus amigos, discuta com eles e assistam ao filme "O carteiro e o poeta". Para descontrair e aprofundar essa questão escute a música "Até o fim" de Chico Buarque. Com certeza, será uma discussão, no mínimo, intrigante! Além disso, a poeta contemporânea Adélia Prado escreveu um poema "Com licença poética" presente no livro Bagagem (Editora Nova Fronteira), que faz intertextualidade com o gauchismo drummoniano. Mas, em Adélia, a reflexão é sobre a mulher moderna: Com licença Poética Quando nasci um anjo esbelto, Desses que tocam trombeta, anunciou: Vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, Esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, Sem precisar mentir. Não sou tão feia que não possa casar, Acho o Rio de Janeiro uma beleza e Ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos (dor não é amargura). Minha tristeza não tem pedigree, Já a minha vontade de alegria, Sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. Adélia Prado, em Bagagem COMENTÁRIO Pare para refletir: como é o anjo que predestina a poeta, igual ao de Drummond? O tom que o poema apresenta é de tragicidade como o de Drummond? Por quê? A mulher é desdobrável, o que isso significa? Pense sobre isso e converse com seus amigos, colegas e familiares... Boa sorte no vestibular! |
|