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Concordância gramatical 'convive' com a estilística Thaís Nicoleti de Camargo* Especial para a Folha de S. Paulo "Concordar" é, segundo a etimologia, pôr juntos os corações. A palavra, no entanto, longe de seu significado original, tem sido empregada em vários contextos. Na gramática, dizemos que certos termos devem concordar entre si. Os nomes buscam a harmonia de gênero (masculino e feminino) e de número (singular e plural); já os verbos concordam com o seu sujeito em pessoa gramatical e número. Esse é o princípio básico da concordância, nem sempre seguido à risca, já que também a linguagem está sujeita à emoção e, portanto, ao arranjo estilístico. Em uma frase como: "Todos acreditam no futuro", o verbo ajusta-se perfeitamente ao sujeito, ambos na terceira pessoa do plural. Não é raro, entretanto, que se ouça, por exemplo, "Todos acreditamos no futuro", o que constitui alteração de natureza estilística, ou seja, em favor da expressão de um conteúdo particular. Ao usar "acreditamos" por "acreditam", o falante se inclui entre os que acreditam. Trata-se aqui do que chamamos silepse de pessoa. A concordância se fez com a pessoa gramatical subentendida (nós). Vossa Majestade, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, embora contenham a forma "vossa" e se refiram ao interlocutor, como todos os demais pronomes de tratamento, pedem o verbo flexionado na terceira pessoa. Dizemos: "Vossa Excelência foi muito gentil". Para não errar, você pode substituir mentalmente qualquer pronome de tratamento por "você", cuja origem é a forma "Vossa Mercê". Então: "Vossa Senhoria me revelou seu segredo. Vou revelar-lhe o meu". Note o uso dos pronomes de terceira pessoa. Para conceder um atributo a sujeito representado por forma de tratamento, faça a concordância ideológica. "Vossa Excelência foi muito bondoso", se se referir a um homem. Nesse caso, dizemos que ocorre silepse de gênero. O matiz afetivo também pode influenciar a concordância. Interpelando alguém, podemos dizer: "Fulano, como vamos de saúde?". O uso da primeira pessoa do plural revela interesse especial pela pessoa. Em: "A maioria das pessoas ficou satisfeita", a concordância é gramatical, com o núcleo do sujeito. Mas a construção: "A maioria dos homens ficou satisfeita" certamente incomoda um pouco os nossos ouvidos. Melhor dizer: "A maioria dos homens ficaram satisfeitos", fazendo a concordância por atração. Vemos, assim, que a concordância gramatical ou lógica convive pacificamente com a estilística, sendo esta mais capaz de traduzir situações particulares. *Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha |
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