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Questões de gramática são apoiadas em trechos literários
Thaís Nicoleti de Camargo*
Especial para a Folha de S. Paulo
Quando faltam alguns dias para o vestibular, o aluno deve se concentrar em tudo o que já estudou e deixar a ansiedade de lado. Espera-se que as questões de gramática, pelo menos em parte, sejam apoiadas em trechos das obras literárias selecionadas para o exame, como já ocorreu em provas passadas.

Em certo vestibular, por exemplo, foram escolhidos episódios da poesia épica de Camões: "Inês de Castro" e "O Velho do Restelo" . Vamos rever um fragmento do primeiro, sob os pontos de vista gramatical e estilístico.

Nas belas e comoventes palavras de Inês de Castro, que tenta dissuadir o rei do cruel intento de matá-la, lemos: "Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito/ (Se de humano é matar uma donzela,/ Fraca e sem força, só por ter sujeito/ O coração a quem soube vencê-la),/ A estas criancinhas tem respeito,/ Pois o não tens à morte escura dela;/ Mova-te a piedade sua e minha,/ Pois te não move a culpa que não tinha".

É interessante prestar atenção às formas verbais empregadas no trecho. O tratamento conferido ao rei é o de segunda pessoa do singular, como se vê no vocativo que inicia a estrofe. Seguem-se verbos no presente do indicativo e no imperativo afirmativo, modo verbal adequado à súplica que a moça empreende.

A forma "tem", em "A estas criancinhas tem respeito", é o imperativo do verbo "ter", não o presente. Vale lembrar que o imperativo afirmativo das segundas pessoas se faz conjugando o verbo no presente do indicativo e suprimindo o "s" final.

Em "Mova-te a piedade sua e minha", temos uma oração optativa (que exprime desejo), cujo sujeito é a expressão "a piedade". O pronome "sua" refere-se às criancinhas. Ou seja: Inês espera que o rei seja comovido pela piedade dela e dos filhos e, assim, poupe a sua vida. Se ele não se move pela justiça, que se mova pela compaixão.

A oração "que tens de humano o gesto e o peito" é uma subordinada adjetiva explicativa, por meio da qual se confere um atributo ao rei. A ela se apõe uma restrição, que aparece entre parênteses, como se fosse uma informação secundária. Trata-se aqui de uma subordinada adverbial condicional. D. Afonso será mesmo "humano"? Só se humano for matá-la ou, como está implícito, se não matá-la.

Percebe-se um raciocínio argumentativo no discurso de Inês, o que, de certa forma, justifica o uso pleonástico da imagem "donzela fraca e sem força", cujo vigor é indiscutível.

Embora comovido com as palavras de Inês, o rei faz a vontade dos cortesãos, que viam na moça a sombra da ameaça espanhola à Coroa portuguesa.
*Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha
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