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Conjunção causal pode atrapalhar a coesão do texto Thaís Nicoleti de Camargo* Especial para a Folha de S. Paulo Os vestibulares têm exigido em suas provas de português o domínio dos recursos de coesão sintático-semânticos, isto é, dos operadores responsáveis pela articulação do texto (conjunções, preposições, pronomes relativos, pronomes demonstrativos), enfim, de tudo o que leve à correta leitura e à clareza da expressão escrita. Em certa prova da Unicamp, foi transcrito trecho de matéria publicada em jornal, na qual o redator tentou, sem sucesso, construir um círculo vicioso. Dizia o texto: "Gera-se, assim, o círculo vicioso do pessimismo. As coisas não andam porque ninguém confia no governo. E porque ninguém confia no governo as coisas não andam". O vestibulando deveria identificar o equívoco da construção, fazer a sua correção e explicar o motivo da confusão. A estrutura circular pressupõe uma inversão das relações de causa e efeito. Se a causa é o que provoca uma ação, o efeito é o que decorre dela, motivo pelo qual a causa sempre antecede o efeito. A conjunção "porque" indica ideia de causa; introduz, portanto, uma oração subordinada adverbial causal. Quando a causa aparece na oração subordinada, o efeito está na oração principal do período (e vice-versa). "As coisas não andam [oração principal/ efeito] porque ninguém confia no governo [oração subordinada/ causa]". Um círculo se fecharia se a conjunção causal "porque" passasse para a outra oração. Assim: E, porque as coisas não andam, ninguém confia no governo. Facilmente cometemos o engano de que foi vítima o jornalista. Ele inverteu a ordem das orações, mas não inverteu a relação de causa e efeito. Há muitos anos, uma conhecida marca de biscoitos lançou campanha publicitária cujo mote era um círculo vicioso. O biscoito "vendia mais" porque estava sempre "fresquinho" e estava sempre "fresquinho" porque "vendia mais". O que era a causa de "vender mais" passava a ser o efeito. Basta transportar a conjunção causal para a outra oração, e está composto o círculo vicioso. Outra questão envolvendo coerência trazia a transcrição do seguinte trecho, também jornalístico: "As Forças Armadas brasileiras já estão treinando 3.000 soldados para atuar no Haiti (...). A ONU solicitou o envio de tropas ao Brasil e a mais quatro países, disse o presidente (...)". A expressão "ao Brasil e a mais quatro países" pode ser lida como complemento nominal de "envio", o que provoca a incoerência, ou como objeto indireto de "solicitou", certamente o sentido pretendido (solicitou ao Brasil e a mais... o envio...). Nesse caso, a ordem dos termos era o fator responsável pela incoerência. *Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha |
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