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Analogia rege as transformações da língua Thaís Nicoleti de Camargo* Especial para a Folha de S. Paulo É comum ouvirmos queixas de que é difícil aprender o português dada a grande quantidade de regras gramaticais que possui, mas é fato que estas apenas facilitam a nossa vida. A existência de comportamentos repetitivos define padrões que somos propensos a seguir. Tanto isso é verdade que a linguagem tende a uniformizar-se, reduzindo as formas irregulares e menos usadas a outras, regulares e corriqueiras. O princípio que rege essas transformações da língua é o da analogia. Em um primeiro momento, as formas analógicas são vistas como errôneas, sobretudo pelas pessoas instruídas, mas, graças à repetição constante por parte dos menos instruídos (que constituem sempre a maioria dos falantes), vão-se generalizando até que, pelo enfraquecimento natural da memória, acabam por prevalecer. Isso é o que explica, por exemplo, a atual conjugação dos verbos impedir, expedir, despedir, cujos modos indicativo e subjuntivo eram regulares (impido, impida; expido, expida; despido, despida). Tais verbos nada têm que ver com "pedir", pelo qual são conjugados hoje (peço, impeço etc.). A analogia conduz-nos, por vezes, a falsas etimologias e à criação de certas palavras e locuções. Se você já ouviu alguém dizer que o filho é o pai "cuspido e escarrado" para dizer que ambos são muito parecidos, note o bizarro da expressão, nascida de "insculpido e encarnado", palavras certamente mal ouvidas e mal compreendidas pelo povo, que as transformou à sua maneira, partindo de sua semelhança fonética. A letra "t" de cafeteira provém de analogia com "leiteira"; o "l" de floresta, de analogia com "flor" (floresta não é derivado de flor, como poderia parecer, mas nasce de "foresta", tal qual o francês "foreste" e o provençal "foresta", cuja origem está no latim "foras", que indicava, segundo a maioria dos etimologistas, a mata que se achava longe da cidade). Por vezes, no afã de fazer uma tradução exata, criam-se palavras que parecem não ter sentido: "contradança" teria vindo do inglês "country-dance" por simples analogia fonética, já que "contra" em português nunca será um sinônimo de "country" em inglês. Analogias desse tipo o povo faz a todo momento. Certamente você já comeu um "X-salada", sabendo que a letra "x" queria dizer queijo ("cheese", em inglês). A já antiga fita cassete (em francês, "caixinha") muitas vezes foi grafada como K-7, criando-se curiosa analogia de caráter fonético. A forma verbal "tive" provém da analogia com "estive". Na linguagem oral, porém, ouvimos "tive" no lugar de "estive" ("tive lá ontem"), o que convém evitar. *Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha |
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