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Linguística estuda os fenômenos da produção oral
Thaís Nicoleti de Camargo*
Especial para a Folha de S. Paulo
"Compra-se livros usados." "Comprei o livro, mas ainda não li." Do ponto de vista da gramática tradicional, que é prescritiva, as frases acima estão erradas. Mas o fato é que estamos diante de exemplos de construções realizadas dia a dia por um número muito vasto de falantes distribuídos entre os vários estratos da sociedade. Assim, parece insuficiente dizer que a "norma culta" usa o que chamamos de "certo" e que o resto é linguagem coloquial, oral, descuidada.

O suposto descuido da linguagem oral, na verdade, não passa de mito -toda linguagem organizada possui uma gramática. A linguística tem-se debruçado sobre os fenômenos da produção oral e escrita, e observado com método científico a regularidade de certas formulações reprovadas pela gramática tradicional.

É comum que se atribuam os desvios da "norma padrão" ao desconhecimento da forma "correta" - a algum grau de ignorância, portanto. Mas a observação da natureza de alguns desses "erros" pode trazer surpresas. Por que o falante diz "Compra-se livros usados" em vez de "Compram-se livros usados"? Ele quer dizer que alguém compra livros usados, desprezando o sentido pretensamente passivo da construção, que equivaleria a "Livros usados são comprados". A intenção do falante ao empregar o "se" foi indeterminar o sujeito, não apassivá-lo.

Mas a gramática tradicional não admite que um verbo transitivo direto tenha a indeterminação de sujeito marcada pelo "se". Ao usarem o "se" com esse valor, os falantes não levam em conta a transitividade do verbo - antes privilegiam os aspectos semântico e pragmático da linguagem. Quem está certo? O tema vale uma boa discussão.

Em "Comprei o livro, mas ainda não li", a tradição vê "erro" e faz a "correção": "Comprei o livro, mas ainda não o li". A explicação para isso é que o pronome "o", que retoma o substantivo "livro", é o objeto direto de "ler", portanto necessário à estrutura da frase. O seu apagamento, entretanto, não compromete o enunciado, parece apenas visar a uma maior economia.

Esse debate vem-se ampliando e impregnando as provas de língua portuguesa dos principais vestibulares do país.
*Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha
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