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Catacrese é espécie de metáfora obrigatória
Thaís Nicoleti de Camargo*
Especial para a Folha de S. Paulo
Engavetar é pôr em gaveta, envasar é pôr em vaso, encaixar é pôr em caixa, engarrafar é pôr em garrafa. Muitas vezes, porém, usa-se o verbo encaixar para dizer que uma coisa pode ser intercalada entre outras ou cabe perfeitamente em algum espaço. Engarrafamento pode ser de bebidas, mas também de veículos. A relação de similaridade entre as imagens garante o entendimento imediato do novo significado do termo.

A essa extensão de sentido baseada na analogia chamamos catacrese, espécie de metáfora obrigatória. Metáfora por nascer do princípio da comparação, mas "obrigatória" por ceder antes a um imperativo de uso que a necessidades expressivas. Pode ocupar o lugar de uma palavra faltante (embarcar no avião) ou substituir um termo exato ou técnico por um menos formal (barriga da perna em vez de panturrilha, céu da boca em vez de palato).

Muitas dos casos de catacrese associam-se às partes do corpo humano: olho do furacão ou olho da rua; boca do túnel ou da garrafa; braço de poltrona ou de cadeira; perna de mesa; pé de mesa, de cama, de montanha, de página etc.; cabelo do milho; pele do tomate; dente de alho. A cara pode indicar o conjunto de características gerais de alguma coisa: a cara do lugar, a cara da cidade. O corpo pode ser a parte central de um texto ou de um edifício, por exemplo.

De feição nitidamente popular, a catacrese nasce do apagamento da etimologia da palavra. A relação de semelhança --própria da metáfora-- prevalece, mas desprovida de intenção poética.

Tão comuns, tais expressões, em sua maioria, são usadas no dia a dia: maçã do rosto, batata da perna, folha de papel, banana de dinamite, coração da floresta, coroa do abacaxi, leito do rio, casca do pão, raiz do problema, asa da xícara, cabeça de prego.

É ainda o princípio da catacrese que está na origem da expressão "pé de galinha", com a qual nomeamos as pequenas rugas que, com o tempo, vão contornando os olhos. Não raro, lançamos mão desse recurso da língua. É comum ouvir dizer, por exemplo, que se deve eliminar a gordura de um texto quando se quer dizer que precisa ser resumido.

A catacrese tem sua eficácia assegurada pela possibilidade de analogia, mas a ausência de polissemia e de originalidade a distancia da fertilidade da metáfora.
*Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha
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