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Questões sobre metalinguagem caem na Fuvest Thaís Nicoleti de Camargo* Especial para a Folha de S. Paulo A questão inicial de certa prova de português da Fuvest requeria do candidato o conhecimento das chamadas funções da linguagem. A linguagem, entendida no âmbito da teoria das comunicações, é todo sistema de signos capaz de produzir a comunicação. Nesse sentido, a música e a pintura, por exemplo, são linguagens. Cada uma detém um código próprio, que deve ser compartilhado pelo emissor e pelo receptor da mensagem para que haja, de fato, a transmissão da ideia pretendida. O que se chama de "funções" são recursos de ênfase que atuam segundo a intenção do produtor da mensagem. A linguagem publicitária, cujo objetivo é a persuasão, reforça os traços que identificam o receptor, de modo que este seja o centro do processo comunicativo. A metalinguagem, uma das funções da linguagem, muitas vezes tem sido usada como um recurso artístico. Como função, ocorre sempre que a linguagem se volta para o seu próprio código --por exemplo, quando perguntamos a alguém o significado de uma palavra desconhecida. Na literatura, é um recurso capaz de criar distanciamento entre o leitor e a obra. Daí o fato de ter sido largamente usada pelos autores modernistas, que tinham como parte de seu projeto estético a intenção de despertar no leitor a consciência de que a arte é um "fazer artístico". Para bem compreender a questão, é interessante ouvir o "Samba de Uma Nota Só", um dos marcos da bossa nova, imortalizado na voz de João Gilberto, cuja letra diz: "Eis aqui este sambinha, feito numa nota só/ Outras notas vão entrar, mas a base é uma só...". A melodia realiza exatamente o que diz a letra, pois esses versos são, de fato, cantados numa só nota musical. Essa manipulação explícita dos recursos musicais configura a função metalinguística presente na canção. E a intenção do compositor era mostrar ao público uma nova concepção de música popular, que incorporava à melodia a dicção da fala, estilizada na repetição insistente da mesma nota musical. O quadro de Escher escolhido pela Fuvest traz um desenho que, tal qual uma espécie de círculo vicioso, desenha a si mesmo, fundindo no espaço da tela as noções de produto e produtor da obra. *Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha |
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