|
São Januário é o estádio dos operários Flavio de Campos* Especial da Folha de S.Paulo "Quem trabalha é que tem razão Eu digo isso e não tenho medo de errar O bonde São Januário Leva mais um operário Sou eu que vou trabalhar" (Ataulfo Alves, "O Bonde São Januário", 1940) Erguido em 1927, o estádio de São Januário foi palco de memoráveis partidas do Vasco da Gama. Primeiro clube carioca a admitir jogadores negros, sua direção chegou a impedir o radialista Ari Barroso (o compositor de "Aquarela do Brasil") de entrar no estádio para transmitir uma partida, por ter criticado seus dirigentes. Mas, além do futebol e do autoritarismo de cartolas, São Januário foi também palco de grandes manifestações operárias durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Lá, Getúlio Vargas costumava assistir a grandes desfiles de operários nas comemorações do 1º de Maio. Sem contestações, os trabalhadores agradeciam os benefícios "concedidos" pelo presidente. Vargas consolidava um novo estilo de atuação, no qual a figura do presidente encontrava-se mais próxima da população. Em um país em que as questões sociais haviam sido tratadas como caso de polícia, as atitudes de Vargas indicavam uma mudança de rumos. A classe operária começava a figurar nos discursos de parte da elite e acostumava-se a ouvir, pelo rádio ou nas festas oficiais, sua voz aguda e penetrante: "Trabalhadores do Brasil". Nos desfiles, os operários carregavam bandeiras brasileiras e estandartes com o retrato de Vargas. Por meio das cerimônias, ritualizava-se o compromisso entre o presidente, "pai da nação", e os trabalhadores, seus "filhos mais pobres". Nessa comunhão emergia o Estado, um organismo vivo, um corpo, em que não deveria haver disputas entre seus membros. Em lugar da luta de classes, Vargas impunha a conciliação social, que na realidade significava a subordinação do operariado aos interesses da burguesia e do Estado nacional. Conciliação entre as classes sociais, valorização do trabalho, disciplina, ordem e nacionalismo eram os elementos básicos da ideologia trabalhista gestada no Brasil. Enquadrada nos estádios, a classe operária era incorporada ao jogo político, sem autonomia e por meio das engrenagens do Estado controlado pelo presidente Getúlio Vargas. Era o início do populismo, política de controle das massas que duraria até o golpe de 64. Em 1979, em São Bernardo do Campo, bem perto de São Caetano (Grande São Paulo), milhares de operários em greve reivindicavam aumento de salários e liberdade sindical. Mas o estádio de futebol era o de Vila Euclides, e o presidente militar não foi convidado. Em São Januário, desde então, só os operários do São Caetano. Para jogar futebol. *Flavio de Campos é autor de "Oficina de História", Editora Moderna, professor do Colégio Móbile e coordenador da Cia. de Ética. |
|