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Análise do livro "Primeiras Estórias"
Guimarães Rosa

Por Carlos Cortez Minchillo*
Especial para o Fovest
No início do conto "Famigerado", o narrador pergunta: "Quem pode esperar coisa tão sem pé nem cabeça?". Na verdade, todas as narrativas de Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa, causam essa mesma impressão: acontecimentos inusitados, comportamentos aparentemente inexplicáveis, histórias contadas por meio de uma linguagem fora do comum.

Por trás desses casos "sem pé nem cabeça", parece sempre se esconder um sentido misterioso. Por que o pai de "A Terceira Margem do Rio" decide, de uma hora para outra, mudar-se para uma canoa e lá permanecer até seu desaparecimento? De que forma Nhinhinha, a "Menina de Lá", podia conhecer seu futuro e "encomendar", dias antes de sua morte, um caixãozinho cor-de-rosa? Para desvendar enigmas como esses, deve-se aceitar que a realidade não pode ser explicada unicamente pela lógica racional.

Em Primeiras Estórias, parecem existir "leis" desconhecidas que regem as vidas das personagens, pressupõe-se um "mundo paralelo", metafísico, que influencia a conduta humana. O contato com essas "forças invisíveis" depende de uma sensibilidade aguçada. Por isso muitas das personagens dos contos de Guimarães Rosa são estranhas. "Loucos" (como Darandina ou Tarantão), crianças extremamente sensíveis (como o Menino, de "As Margens da Alegria", ou Brejeirinha, de "A Partida do Audaz Navegante"), apaixonados (como Sionésio, de "Substância"), todos representam seres especiais, que parecem viver em outra dimensão, demonstrando uma sabedoria inata, intuitiva. São, enfim, seres iluminados.

Essa iluminação relaciona-se à teoria platônica da reminiscência. A alma, sendo imortal, teria vivido em contato com o mundo Ideal, o plano da Perfeição. Ao encarnar, a alma guardaria lembranças difusas, inconscientes, desse mundo "bom, belo e verdadeiro", para o qual deseja profundamente retornar. Algumas experiências no plano terreno teriam o poder de despertar na alma o gosto da Perfeição, possibilitando uma "redescoberta" de uma alegria até então adormecida.

Esses momentos de epifania, reveladores de uma Verdade oculta, transformam a vida das personagens. Nesse sentido, o encontro com o belo, o desejo de livrar-se do peso da matéria, o sentimento amoroso são situações de aprendizado: libertam a alma das impurezas da vida e levam o ser humano a uma condição "superior", mesmo que não tenha plena consciência disso. Como se diz em "Nenhum, Nenhuma", "a gente cresce sempre, sem saber para onde".

Ficha
  • O autor
    João Guimarães Rosa nasceu em 1908, em Minas Gerais. Enquanto trabalhava como médico no interior, registrava o que ouvia e via: expressões, anedotas, versos, tipos humanos. Essas anotações foram amplamente usadas em sua obra.
  • A obra
    Publicado em 1962, seis anos depois do romance Grande sertão: veredas, Primeiras estórias consta de 21 contos.
  • Linguagem
    Destaque da literatura de Rosa, a linguagem é marcada por forte originalidade. Alia a informalidade da linguagem coloquial à complexidade da linguagem poética. O tom é variado: ora sério (lírico ou dramático), ora cômico.
  • Temas
    Sentido oculto da existência, crescimento espiritual por meio de experiências amorosas, vida como aprendizado, sensibilidade extraordinária manifestando-se pela loucura e pela ingenuidade infantil, vida como predestinação, limites entre bem e mal.

    Veja também:
  • Síntese
    *Carlos Cortez Minchillo é professor de literatura do Colégio Bandeirantes.
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