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18/02/2011 - 11h26 / Atualizada 03/03/2011 - 12h30

Alternativas criativas

Marcelo Knobel*
Pró-reitor de graduação da Unicamp

Neste início do ano letivo, uma queixa inesperada tem me surpreendido. Alguns pais de alunos ingressantes na universidade, e até professores, reclamam da ausência do trote em alguns de nossos cursos. Ouço com certa frequência que os alunos gostam de ser festejados ao entrar na universidade, que gostam de ser pelo menos pintados. O que pode haver de mal nisso?

Os ritos de iniciação têm origem histórica e são de fato importantes para marcar o início de uma nova etapa na vida. Mas o trote nas universidades brasileiras tornou-se, com o passar dos anos, um ritual completamente desvirtuado, pautado pela humilhação e pelo constrangimento. Naturalmente, a intensidade do trote varia muito de curso para curso, e de universidade para universidade. O trote tem sido alvo de discussão e crítica na mídia, o que tem atenuado um pouco as ações realizadas pelos veteranos, pelo menos no âmbito dos campi. Mas, por incrível que pareça, há um número considerável de pessoas que defendem o chamado trote “light”, em nome da tradição e da brincadeira inocente. Incluem-se nesse grupo os veteranos, que querem aproveitar a sua vez de realizar essa prática, alguns docentes, e até muitos calouros e/ou seus pais, que o consideram um rito de passagem necessário.

Entretanto, a linha entre uma brincadeira saudável e outra de mau gosto é muito tênue. – “Ninguém reclamou!” – podem argumentar. Mas mesmo quando nada de grave ocorre, não significa que em uma próxima vez  o trote não extrapolará os limites do aceitável. E como mensurar o constrangimento silencioso de diversos jovens que não querem se indispor com os futuros colegas logo no primeiro contato? Como coibir humilhações taciturnas e discriminações veladas? Além do mais, essas práticas são sempre imprevisíveis, pois muitas vezes também ocorrem em eventos de “socialização”, geralmente com muita bebida alcoólica envolvida.



Para mudar a cultura do trote violento o mais eficiente é propor alternativas criativas, substituindo os tradicionais constrangimentos aos calouros por ações voluntárias e cidadãs, que estimulem a interação entre todos os estudantes, a partir de uma ação social que desperte, entre outros valores, a cidadania, o trabalho em equipe e o papel do estudante como agente multiplicador e transformador da sociedade. Assim, há um movimento crescente de trotes sociais, solidários e culturais nas Universidades brasileiras. A Unicamp foi pioneira nessa prática, com experiências isoladas a partir de 1998, que se consolidaram em 2003 com o primeiro Trote da Cidadania Integrado. A partir desse ano esse grupo de estudantes de diversas unidades da Unicamp tem organizado diversas atividades relacionadas ao consumo consciente, a ações sociais e a práticas sustentáveis que visam promover a integração entre os estudantes para gerar benefícios à sociedade. Os eventos consistem em dinâmicas de grupo, palestras, visitas técnicas e atividades de integração e conscientização. Em 2007, o Trote da Cidadania Integrado mudou de nome para ampliar o foco das conscientizações, e agora é conhecido como Trote da Cidadania pelo Consumo Consciente (http://www.tciunicamp.institucional.ws).

O aluno ingressante na Universidade está repleto de expectativas e incertezas. Nesse momento é fundamental ser acolhido, poder conhecer uma vida nova que se abre, e conseguir dialogar sem medo com os estudantes mais experientes. Isso certamente contribui para uma identidade mais sólida com o curso, e levará a amizades mais profundas. O acolhimento de novos estudantes de uma maneira civilizada e responsável é uma meta das universidades. Mas a própria sociedade também deve refletir sobre suas expectativas e sua participação neste momento de alegria e comemorações.

*Pró-reitor de graduação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), professor e pesquisador do Instituto de Física “Gleb Wataghin” da instituição desde 1995

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