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Universidades fazem pouco pela prevenção a trotes violentos, dizem especialistas

Ana Okada

Em São Paulo

04/02/2011 07h00

Para estudiosos de trotes ouvidos pelo UOL Vestibular, as instituições de ensino superior poderiam ser mais atuantes na prevenção à prática de trotes de calouros. "A universidade faz a parte dela, mas é pouco. É como tapar o sol com a peneira", explica Antonio Alvaro Soares Zuin, autor do livro "O trote na universidade: passagens de um rito de iniciação" e professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

Por mais que haja meios de o estudante novato denunciar violências ou que sejam permitidos apenas trotes considerados amenos, como o corte de cabelo e pintura do rosto, ainda assim o calouro é sempre tratado de forma distinta. "Ele nunca é identificado como um indivíduo, é sempre o 'bixo'. Ele tem que se submeter porque isso implica em ser ou não integrado no grupo", diz.

Segundo Zuin, não há diferença entre o trote e o trote violento, pois a lógica dele é a da "domesticação" do calouro, de caráter "sadomasoquista". A prática, que se confunde com a origem das universidades, sempre teve conotação violenta e sexual. Como exemplo, é citado o registro de um trote de 1491, em Heildelberg, na Alemanha, em que os novatos tinham que comer fezes e praticar felação nos veteranos.

Apesar da proibição da prática, a violência do trote se manteve e, para o professor, é um reflexo da relação entre professores e alunos - da "violência simbólica, passada de uma forma dissimulada" que os estudantes sofrem. "A resposta para entender esse trote implica numa análise crítica da relação entre professores e alunos no âmbito universitário", diz.

A violência, no entanto, hoje toma dimensões maiores, uma vez que ela não é presenciada somente pelo meio acadêmico, mas pelos meios de comunicação e pela internet, como o vídeo de um trote da UnB (Universidade de Brasília) recentemente veiculado na rede. "Se antes só o vizinho via o estudante pintado, hoje o mundo todo pode ver. E quanto mais violentos e vexatórios os vídeos forem, mais vão chamar a atenção na internet. Dentro da lógica da espetacularização, eles serão cada vez mais violentos", prevê o docente.

Para o professor, a universidade deveria oferecer meios para discutir a violência do trote e também as relações de poder entre professores e alunos e alunos e a universidade.

Trotistas x outros

O professor Antônio Ribeiro de Almeida Júnior, da Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura 'Luiz de Queiroz') divide as universidades entre "trotistas" e "trotistas esporádicas". Nas trotistas, a prática do trote é referendada pela instituição - no geral, são faculdades em que há predominância histórica masculina de cursos tradicionais como medicina, engenharia, geociências e direito. Nestas, dar e receber o trote é uma forma de ser aceito pelo grupo dominante.

Em sua pesquisa, ele pediu que os estudantes dividissem o que achavam ser "brincadeira" e o que era considerado "violência" no trote. A conclusão da enquete foi a de que não é possível separá-los, pois o que é brincadeira para um, pode ser violência para o outro. Para o docente, o trote é uma forma de reprimir o estudante e impor valores de uma "elite reacionária". Ao mesmo tempo, ele ressalta que há uma publicidade sobre o trote - feita por escolas e cursinhos, dentre outros - que a faz parecer um "momento de comemoração". "Essas contradições fazem com que ele se mantenha", explica.

Júnior acredita que as manifestações de violência nos trotes acabariam por meio de uma educação de melhor qualidade. "O trote é uma manifestação bárbara, que demonstra a falência do sistema de educação, que pode ser bem sucedido tecnicamente, mas é falido em termos de preocupação social e com o meio ambiente", diz. Ele defende que os trotes sejam proibidos por lei: "Tem que se prever punições aos dirigentes, banir a publicidade que usa imagens do trote e banir as palavras trote, calouro e veterano. A universidade tem que se afastar institucionalmente dele", defende.

O trote, segundo o docente, propaga e reforça preconceitos de diversas origens - social, econômica, religiosa, sexual etc -, que distanciam a universidade de seu papel principal, o social. "Hoje, é feita uma educação para o mercado, e uma universidade de primeira linha deveria se preocupar com a sociedade, com a nação. O papel social da universidade não é distribuir cestas [básicas] num trote solidário, em que vejo o reforço do preconceito, mas transformar a sociedade", finaliza.

Bola da vez

Um vídeo publicado na internet mostra calouras da FAV (Faculdade de Agronomia e Veterinária) da UnB (Universidade de Brasília), sujas de tinta, tendo que lamber leite condensado em uma linguiça encapada com uma camisinha na frente de veteranos durante o trote.

O trote aconteceu no dia 11 de janeiro. O reitor da instituição, José Geraldo de Sousa Junior, disse que as ações "violam a ética da convivência comunitária" e nomeou uma comissão para investigar o caso. A Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República pediu explicações à UnB sobre o trote.

 

Veja trecho do vídeo: