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História geral

História Geral -

O papel dos meios de comunicação de massa é fundamental para a história do século XX. O jornal, o cinema, o rádio e a televisão pesam na formação da consciência popular. Esses veículos proporcionam momentos mágicos, cujos efeitos inesperadamente podem transcender os limites da diversão ou da simples informação.

Esse é o caso do filme "Spartacus", produzido em 1959 por Kirk Douglas, encabeçando um elenco "all-star" que conta também com Peter Ustinov, Sir Lawrence Olivier, Charles Laughton e Jean Simmons, dirigidos por Stanley Kubrick.

Naquele momento, Hollywood vivia a febre dos filmes épicos como "Os Dez Mandamentos", "O Manto Sagrado", "Quo Vadis?" e "Ben-Hur". Quando Kirk Douglas leu o romance homônimo, escrito por Howard Fast, lembrou-se do discriminado Issur Danielovich Demsky (seu nome original), filho de imigrantes judeus russos paupérrimos, e do seu povo, que havia sido escravo dos babilônios e egípcios na Antigüidade.

Democrata liberal convicto, desejou realizar o filme no mesmo momento, pois era a história de um escravo que liderou uma revolta entre os anos 73 e 71 a.C. contra a majestosa Roma, senhora do mundo ocidental na época. Diz em sua autobiografia que "ao consultar livros de história, encontra-se, quando muito um pequeno parágrafo a seu respeito. Este homem cobrira Roma de vergonha, e queriam relegá-lo ao esquecimento". Ao iniciar a produção, não podia imaginar a importância da película para a história do século XX. Pensou apenas nas lutas do seu povo, desde a Antigüidade.
 

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Daltom Trumbo

Na mesma época em que o filme era produzido, vivia-se nos Estados Unidos sob o eco do macartismo, a "caça às bruxas" empreendida pelo senador Joseph Mc Carthy, fanático anticomunista, no clima da "Guerra Fria". Por coincidência, o autor do romance era comunista, estava na lista cinza, pois para se isentar das acusações, escrevera uma série de baboseiras patrióticas sobre George Washington e Tom Paine. Porém o roteirista escolhido, Dalton Trumbo, era um dos Unfriendly Ten (Dez Indesejáveis), punidos em Hollywood.

Desde 1947, quando os estúdios cinematográficos assinaram o Waldorf Amendment, ninguém podia contratar qualquer pessoa que tivesse vínculo com o Partido Comunista. Embora Trumbo trabalhasse sob o pseudônimo de Sam Jackson, Kirk mandou às favas o acordo, pois, em sua opinião, "gastamos muito tempo combatendo o comunismo, em vez de melhorar a democracia".
 

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Stanley Kubrick

Um incidente com o diretor Kubrick o fez ir mais longe. Na hora de fazer os créditos do filme, houve uma divergência quanto ao nome do roteirista. Kubrick, na maior cara-de-pau, queria que o seu nome constasse como autor do que não fizera. Kirk telefona para a Universal, e manda deixar um passe na portaria com o nome de Dalton Trumbo. Em seu gesto impulsivo, não percebeu que rasgara a lista negra dos "Unfriendly Ten".

O nome expresso de Trumbo nos créditos desperta o ódio dos anticomunistas. A American Legion, a maior associação de veteranos de guerra em todo o mundo, envia uma carta às suas 17 mil agências: "NÃO ASSISTAM SPARTACUS".

Hedda Hopper, uma das maiores fofoqueiras de Hollywood, fulmina: "Há (no filme), campos cobertos de cadáveres, e mais sangue do que jamais se viu. Na cena final, a amante de Spartacus, carregando seu bebê ilegítimo, passa pela via Apia, onde há 6.000 homens crucificados, ainda presos às cruzes. Essa história foi vendida à Universal e tirada de um livro escrito por um comunista, com um roteiro elaborado por outro comunista... Por isso, não vá vê-lo".

Essas acusações aguçaram a curiosidade do presidente John Kennedy, que pertencia ao Partido Democrático, enquanto os mais ferrenhos anticomunistas eram do Partido Republicano. Durante uma noite, em plena tempestade de neve, Kennedy saiu sorrateiramente da Casa Branca para ver Spartacus, tornando-se fã do filme. O fato foi contado muito tempo depois por Bobby Kennedy a Kirk Douglas: "Sabe, meu irmão ajudou-o muito para Spartacus".

Naturalmente, os agentes da KGB soviética também se interessaram. A história, contada sob o ponto de vista dos escravos, era para eles a revolução proletária. Poucas vezes um filme americano fez tanto sucesso na URSS. O fato acontece justamente quando começa a crescer a crise dos mísseis, envolvendo os Estados Unidos, Cuba e a União Soviética, no ponto mais alto da "Guerra Fria".

Para Assur Danielovitch, o triunfo fecha um círculo: um filho de imigrantes russos teve a liberdade de filmar na América uma história de perseguidos e explorados. "Spartacus" não ganha o Oscar de melhor filme, que fica para "Se Meu Apartamento Falasse", mas detona os restos do macartismo, abrindo as portas para outras lutas contra a discriminação. Portanto, se os escravos foram derrotados pelos romanos, 2.000 anos depois a sua história abriu uma porta para a liberdade.

Finalmente, em 1996, a Academia concede o Oscar especial para Kirk Douglas, em homenagem a toda sua obra cinematográfica. Porém, antes dessa cobiçada estatueta, o seu talento e a postura democrática lhe valeram a Medalha da Liberdade e a Legião de Honra, as mais altas condecorações dos Estados Unidos e da França, respectivamente.
 

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