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Papado - João Paulo 2º, Bento 16 e a história dos papas

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

(Material atualizado em 30/07/2013, às 11h15)

Num certo sentido, ser papa significa ser o monarca da Igreja católica e, portanto, governá-la, orientar seus rumos espirituais e temporais, ou seja, mundanos, terrenos. Trata-se de ocupar um trono erguido no século 1, depois de Cristo.

As igrejas que deram origem à Igreja católica apostólica romana surgiram e se fortaleceram nos três primeiros séculos de nossa era. Foram unificadas sob a autoridade do apóstolo Pedro, martirizado em Roma, no ano 64, segundo uma tradição cuja validade histórica é controversa, devido às lacunas e à mistura de história e mito. Trata-se, afinal, de uma época remota.

Em nome de Pedro, os próximos bispos de Roma reivindicaram sua supremacia sobre os bispos de outras cidades, apresentando-se como a garantia da manutenção das verdadeiras tradições cristãs. O cristianismo era ainda uma religião perseguida e 28 destes bispos, que atuavam como magistrados nas desavenças entre diversas igrejas locais, foram martirizados, entre os séculos 1 e 3.

Paralelamente, o desenvolvimento doutrinário da Igreja, fundamentado nos ensinamentos de Jesus, foi levado avante por teólogos e filósofos, que vieram a ser considerados doutores da Igreja, como Santo Agostinho (354-430), autor de uma obra literária e filosófica, as "Confissões", que desbrava o campo da psicologia e não perdeu a atualidade. O cineasta Roberto Rosselini dirigiu um filme sobre a biografia de Agostinho.

Com a publicação do edito de Milão, por Constantino 1º, o cristianismo tornou-se tolerado pelo Império romano e mais tarde, sob o imperador Teodósio, sua religião oficial. Expandiu-se, então, pelo Ocidente e Oriente, e tornando-se universal ("católica", em grego).

Invasões bárbaras

As invasões bárbaras e a queda do Império no Ocidente (476) fizeram da Igreja a guardiã de uma civilização que tinha suas bases no helenismo e no cristianismo. A conversão dos bárbaros, empreendida pelos bispos romanos - já conhecidos como papas - abriu caminho para a formação de um império europeu cristão, com o Carlos Magno à frente do poder político, assentado na espada.

Porém, se beneficiou materialmente a Igreja, esse monarca também dissolveu os limites entre ela e o Estado, entre religião e política, o que viria a comprometer o caráter propriamente espiritual da cúpula do clero.

Entre os anos de 1046 e 1303, o papado passou por um breve período de degradação, do qual só se recuperaria ao perder esse poder temporal e assumir seu papel de autoridade exclusivamente moral e religiosa. Com isso, conheceria um período de estabilidade e conquistaria o controle sobre a vida pública e privada. Sob a autoridade papal, a Igreja ditou os rumos da cultura por quase 500 anos.

É a época da construção das monumentais catedrais góticas, do surgimento dos hospitais, das universidades, da união do pensamento cristão com a filosofia aristotélica, transmitida à Europa pelos muçulmanos. Nada que ver com uma pretensa "idade das trevas", como demonstrou o medievalista francês Jacques Le Goff.

As cruzadas e o nepotismo

Se hoje se põe a ênfase no caráter negativo das Cruzadas, é impossível negar que elas também provocaram efeitos positivos, dinamizando a economia na Europa e no Oriente médio. A violência tem mesmo um papel na história, como constatou Friedrich Engels, o parceiro de Karl Marx.

Portanto, a despeito de juízos de valor, as Cruzadas favoreceram o ressurgimento do comércio e da circulação de moeda, o fim do feudalismo, o advento dos burgos e a volta das cidades, preparando o caminho do Renascimento.

O fim da Idade Média, contudo, foi marcado por uma nova fase de desvalorização do papado. Dependente da política francesa, a instituição deixou Roma e transferiu-se para a comuna de Avignon, no sul da velha Gália.

Imperavam o nepotismo e o tráfico de indulgências. Instalou-se o Grande Cisma do Ocidente, ocasião em que três papas se enfrentaram. Não se sabia ao certo quem era o legítimo sumo-sacerdote, a ponto de o bispo de Toledo, na Espanha, substituir o nome do papa pela expressão "aquele que é o verdadeiro pontífice", nos rituais da missa.

Nesse momento, porém, já estamos chegando ao Renascimento e entravam em vigor as doutrinas humanistas que gradualmente questionaram os dogmas da Igreja. Ao mesmo tempo, na prática, os papas deixaram de lado a espiritualidade e assumiram seu papel mundano de príncipes de Roma, entregando-se à política e ao enriquecimento.

Um renegado renascentista

Embora sejam responsáveis pelo florescimento das artes e da cultura, os papas do Renascimento entraram para o imaginário histórico como um reflexo de Alexandre 6º, ou Rodrigo Bórgia. Para chegar ao papado, em 1492, Rodrigo comprou o voto dos cardeais eleitores. Sua reputação nunca foi das melhores. Era pai de cinco ou sete filhos que nem mesmo a Igreja acredita terem sido gerados antes de sua ordenação a sacerdote.

Genitor de Lucrécia Bórgia, Alexandre 6º expropriou os bens das famílias ricas de Roma em benefício de sua própria família, famosa por preferir veneno como arma para lidar com seus inimigos políticos, bem como pela prática do incesto.

Foi um papa que não hesitou em recorrer a tropas turcas muçulmanas para combater os cristãos franceses e que doou aos reis católicos da Espanha, Fernando e Isabel, todas as terras não pertencentes a príncipes cristãos nos dois hemisférios. Escreveu uma série de bulas que iriam desembocar no nosso conhecido Tratado de Tordesilhas.

Reforma protestante

Foi contra essa Igreja que não conseguia livrar-se de seus males que se ergueram as reformas luterana, calvinista e anglicana, no século 16 e a reação contra-reformista promovida durante o concílio de Trento.

Trata-se de um período em que mais uma vez o papel social da Igreja é ambíguo. Incluem-se nele as guerras religiosas e as fogueiras da Inquisição, ao mesmo tempo em que a atuação dos missionários ganha dimensões épicas com as Grandes Navegações.

Os historiadores atuais enfatizam o papel eclesiástico na "exploração dos povos colonizados pelos europeus". Por outro lado, o ensaísta mexicano Octavio Paz lembra que, na América protestante, o destino dos índios foi muito pior, sem o abrigo do catolicismo. Também não se pode deixar de lembrar a luta dos catequistas contra hábitos culturais que a própria sociedade contemporânea condena, como o canibalismo.

Existe uma dialética complexa no papel da igreja do Brasil Colônia, por exemplo, estudada pelo professor Alfredo Bosi, do Instituto de Estudos Avançados (USP) e da Academia Brasileira de Letras. Uma avaliação exclusivamente negativa dos jesuítas é simplificadora e injusta, ao contrário do que faz crer a historiografia anticlerical, que surgiu com o Iluminismo.

Aux armes, citoyens

Durante a época das monarquias absolutas, nos séculos 17 e 18, a Igreja e o papado perderam poder político e passaram a simples avalistas do poder dos soberanos nacionais. Foi nesse momento de enfraquecimento da Igreja que países protestantes, como a Inglaterra e a Prússia, começam a se afirmar.

Num grande país católico como a França, a Igreja tentou agarrar-se a seus dogmas tradicionais e privilégios, mas foi derrotada, juntamente com o rei e a nobreza, na Revolução iniciada a 14 de julho de 1789.

Levando o regime revolucionário ao resto da Europa continental, Napoleão Bonaparte compreendeu a importância da Igreja na manutenção da ordem social e impôs os termos para um acordo com o papa Pio 6º. Depois, acabou levando-o à prisão ao ocupar o Estado pontificial - que existiu da Idade Média até a unificação da Itália.

No século 19, o Congresso de Viena e a Santa Aliança reforçaram o poder da Igreja. O Romantismo promoveu uma reaproximação entre os intelectuais e o cristianismo, após a ruptura que ocorreu durante o Iluminismo. No entanto, a Igreja católica permaneceu em crise e começou a repensar seu papel numa sociedade fundamentada na tolerância religiosa e no desenvolvimento científico.

Decorreu daí um duplo movimento no sentido de 1) se amoldar às exigências de uma nova ordem social e 2) de colaborar com o Estado para poder influenciá-lo. Assim caminhou a Igreja até a Primeira Guerra Mundial, quando o papa Pio 10º se destacou pela pregação pacifista e por manter uma posição de neutralidade entre os países beligerantes. Pio 10º se tornou muito popular em seu tempo. Depois da morte, foi canonizado.

Pio 12, o papa de Hitler?

Pio 11 conseguiu recriar um Estado pontificial, o Vaticano, assinando o tratado de Latrão com Mussolini, mas em 1937 publicou uma encíclica condenando o racismo e o nazismo. Pio 12, criticado por seu anticomunismo e apelidado pela esquerda como "o papa de Hitler", se pronunciou contra a doutrina de purificação racial na Alemanha e deu asilo a judeus durante a perseguição hitlerista.

Pio 12 Era ao mesmo tempo um conservador apegado à doutrina tradicional, que proclamava o caráter sacramental do casamento, e o fundador da Academia Pontifícia de Ciências que promove ainda hoje a aproximação entre ciências físicas e naturais e a religião. Mantém, por exemplo, o prestigioso Observatório (astronômico) Vaticano. À frente dessa Academia, aliás, o cientista brasileiro Carlos Chagas Filho empenhou-se pela reabilitação de Galileu Galilei - o que aconteceu sob João Paulo 2º.

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João Paulo 2º

Os antecessores imediatos do penúltimo papa foram João 23, cujo concílio Vaticano 2º (1962) procurou adaptar a Igreja a um mundo cada vez mais laico, e Paulo 6º. que arcou com os custos dessa reforma, tendo de administrar a Igreja no auge de seu desprestígio, com a revolução dos costumes do fim da década de 1960. Foi sucedido por um pontificado que não durou um mês.

Em contrapartida, João Paulo 2º esteve quase três décadas à frente da Igreja. Foi protagonista da história contemporânea, por aliar-se à política Ronald Reagan de demolir o comunismo no Leste Europeu e na União Soviética - pelo que levou três tiros, num atentado provavelmente encomendado pela KGB, o serviço secreto soviético.

Mesmo assim não abandonou a cena política, mantendo a Igreja de Roma em evidência. Promoveu o diálogo inter-religioso e o ecumenismo. Por uma atuação que se estendeu até as vésperas da morte, reconquistou grande prestígio para o papado junto aos fiéis, conforme demonstraram as grandes manifestações por ocasião de seu funeral em 2005.

Bento 16

Eleito à sombra de seu antecessor, o papa Bento 16 revelou-se rapidamente um homem que veio impor sua marca na cena europeia e internacional, pela defesa intransigente da doutrina cristã. O papa Bento 16 preocupa-se com a qualidade do catolicismo. Tem reafirmado a missão religiosa da Igreja e lembrado o papel do cristianismo na formação da civilização europeia ocidental.

Seus pronunciamentos costumam gerar polêmicas, em função das críticas ao homossexualismo e à teologia da libertação, bem como da valorização do casamento único e indissolúvel, do celibato clerical, e da afirmação do caráter divino de Jesus Cristo, num momento histórico em que a sociedade, cada vez menos religiosa, se mostra indisposta a abandonar seus hábitos de consumo em nome da fé.

Por sua vez, grande parte dos intelectuais e cientistas têm se transformado em arautos do ateísmo, seja negando a existência de Deus, seja duvidando de sua interferência num universo negro, vazio e infinito.

 

 

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