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Guerra do Contestado - 100 anos do fim

O mapa de onde aconteceu a Guerra do Contestado, no Sul do Brasil - Arte
O mapa de onde aconteceu a Guerra do Contestado, no Sul do Brasil Imagem: Arte

Por Carolina Cunha

D Novelo Comunicação

PONTOS-CHAVE

1. A Guerra do Contestado (1912-1916) foi um conflito armado que opôs forças do governo e camponeses que viviam na região disputada pelos Estados de Santa Catarina e Paraná.

2. A estrada de ferro entre São Paulo e Rio Grande do Sul estava sendo construída por uma empresa norte-americana. Para a construção da estrada de ferro, milhares de famílias de camponeses perderam suas terras. Essas famílias de sertanejos pobres foram atraídas para o movimento liderado pelo Monge José Maria.

3. Em meio à disputa entre Santa Catarina e Paraná, o Monge José Maria e seus fieis fundaram “cidades-santas”, povoados autônomos que atraíam os pobres e camponeses. Vistos como fanáticos e monarquistas, os sertanejos foram reprimidos pelas forças oficiais. Estima-se que mais de 10 mil pessoas morreram na guerra.

No final de julho de 1916, Adeodato Ramos estava embrenhado na mata fugindo de tropas do exército. Ao sair para a estrada, foi avistado por uma patrulha e, então, o último líder rebelde da Guerra do Contestado se entregou. Sua captura colocou fim à revolta mais sangrenta do século 20 no Brasil.

A Guerra do Contestado (1912-1916) foi um conflito armado que opôs forças do governo e camponeses que viviam na região disputada pelos Estados de Santa Catarina e Paraná. Ocorrido durante a República Velha, o sangrento conflito teve origem na disputa de terras e deixou mais de 10 mil mortos, vítimas dos combates, da fome e de doenças. No final, os rebeldes e sertanejos pobres foram violentamente massacrados.

Causas da Guerra

Vários motivos contribuíram para a eclosão da guerra. Desde o Império, Santa Catarina e Paraná tentavam definir seus limites territoriais. A região da fronteira conhecida como “contestado” era alvo de disputa judicial entre os dois Estados no início do século 20. Em 1904, o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa aos catarinenses e reafirmou sua decisão nos anos seguintes, mas a sentença era ignorada pelo governo paranaense.

O governo brasileiro autorizou a construção de uma estrada de ferro ligando os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul e que cruzava as terras do contestado. Para isso, desapropriou uma faixa de terra de 30 quilômetros ao lado da rodovia, uma espécie de "corredor" por onde passaria a linha férrea e que poderia ser explorada pela companhia que a construísse.

A responsável pela construção foi a empresa norte-americana Brazil Railway Company, do empresário Percival Farquhar. Além das terras ocupadas para a construção, ele comprou uma grande área onde fundou a Southern Brazil Lumber & Colonization, empresa que se tornou a maior companhia madeireira da América do Sul. 

Originalmente, os moradores dessas regiões de concessão eram posseiros caboclos e pequenos fazendeiros que viviam da comercialização de erva-mate e da madeira. Não tinham título da terra, mas viviam há algumas gerações por ali. Com os empreendimentos de Farquhar, os sertanejos que ali moravam foram desalojados à força e passaram a viver em piores condições.

O clima ficou ainda mais tenso quando a estrada de ferro ficou pronta. Ao fim das obras, o grande número de migrantes que se deslocou para o local ficou sem emprego, formando uma legião de mão-de-obra desempregada. Eles permaneceram na região sem qualquer apoio por parte da empresa norte-americana ou do governo.

O messianismo do Monge José Maria

A exemplo da Guerra de Canudos (1896-1897), na Bahia, a Guerra do Contestado foi uma revolta messiânica. E assim como Canudos, também tinha um fundo antirrepublicano.

O messianismo é uma doutrina que acredita que o Messias voltará para libertar o seu povo do mal e criar um lugar de paz e de prosperidade. Na história dos séculos 19 e 20, esses movimentos eram liderados por um líder carismático que fundava uma Cidade Santa, governada pelas leis divinas. Os messianismos são considerados movimentos sociais por serem coletivos e buscarem a destruição de estruturas consideradas injustas e a construção de um novo mundo a partir da fé.

O principal líder da Guerra do Contestado foi o Monge José Maria, que ganhou fama na região por seus supostos dons de cura e profecias. Ele encontrou um povo sedento por ajuda e fez a promessa de construir um povoado onde todos viveriam em paz, com prosperidade, justiça e terras para trabalhar.

Guiados pela utopia de uma vida comunitária, o grupo do beato passou a criar "cidades-santas" que atraíram os camponeses expulsos das terras pela construção da estrada de ferro. Logo o líder passou a envolver-se também com questões políticas. O Monge profetizava que a República seria um sinal dos fins dos tempos e que os caboclos deviam lutar contra o governo e pela volta do governo de Deus, o Regime Imperialista.

As comunidades eram autônomas e viviam sob os princípios da igualdade e da irmandade. Sua existência começou a incomodar os coronéis e grandes fazendeiros. Para os grupos políticos que mandavam na região, os seguidores de José Maria eram vistos como “fanáticos” e “monarquistas”. A Igreja Católica também não enxergava com bons olhos a liderança do profeta. O governo passou a acusá-lo de ser um inimigo da República, que tinha como objetivo desestruturar a ordem estabelecida.

Em 1912, o Monge José Maria foge com seus fieis para Irani (SC). A chegada do grupo foi vista pelo Paraná como uma investida de Santa Catarina para forçar a posse do território contestado.  Uma expedição paranaense é montada para prender o beato, que resulta no ataque chamado de “Combate do Irani”. O confronto acaba com a morte de José Maria e do comandante das tropas oficiais.

O episódio deflagrou a Guerra do Contestado. Com a morte de José Maria, cresceu a crença em sua ressurreição e os discípulos mais fieis voltaram a se reunir e a criar novos redutos, nos quais se seguiam os ensinamentos do monge. Era o início de uma ofensiva rebelde generalizada, também caracterizada por saques e invasões de propriedades de coronéis.

Coronéis locais, forças estaduais e Exército se uniram para combater o movimento e foram apoiados pelo presidente da República, Hermes da Fonseca. Os camponeses, armados com armas precárias como espingardas de caça, facões e enxadas, resistiram aos primeiros avanços.

Embora tenham tido pouco sucesso nos dois primeiros anos do conflito, as forças oficiais obtiveram, a partir de 1914, sucessivas vitórias sobre os revoltosos. Em muitos lugares, coronéis contrataram capangas para caçar rebeldes. Entre março e abril de 1915, após longa batalha, veio abaixo o povoado de Santa Maria (SC), a maior das cidades santas, com mais de 20.000 habitantes e que hoje está extinta.

Dados do Exército revelam que houve a participação de mais de um terço do exército republicano brasileiro, a utilização de armamento pesado e o pioneirismo da aviação militar em operações de guerra. Nesse conflito, o Exército usou pela primeira vez pequenos aviões nos combates.

PARA SABER MAIS

Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla, de Marli Aura (Editora da UFSC, 1995)
Artigo São Sebastião e o milenarismo na Guerra do Contestado (1912-1916), de Eduardo Rizzatti Salomão. Revista Caminhos, v.9, n.1, 2011. Disponível em:
http://revistas.ucg.br/index.php/caminhos/article/view/1518

O Exército Encantado de São Sebastião: as evidências da crença sebastianista na guerra do contestado (1912-1916), de Eduardo Rizzatti Salomão. Revista Eletrônica História em Reflexão, v.3, n.5, 2009. Disponível em: http://ojs.ws.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/viewArticle/209http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/viewArticle/209

Documentário "O Contestado – Restos Mortais" (2010), de Sylvio Back

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