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Direitos trabalhistas - Alterações para equilibrar contas públicas não atendem demanda

Agência Brasil
Imagem: Agência Brasil

Carolina Cunha

Da Novelo Comunicação

Os direitos trabalhistas são parte importante de uma sociedade. Eles devem assegurar que os trabalhadores não sejam explorados pelos empregadores, garantir seus recebimentos e benefícios, estabelecer um salário mínimo, evitar distinção de salário por cor, raça ou gênero, não deixar o trabalhador desamparado após perder o emprego, oficializar o direito à greve, evitar condições análogas à escravidão, entre outros. Sendo assim, qualquer mudança nessas leis afeta a vida de quem é assalariado.

No Brasil, 2015 começou com notícias de mudanças nos benefícios trabalhistas e previdenciários, ação que faz parte do pacote de ajuste fiscal e corte de gastos que o governo federal anunciou para reequilibrar as contas públicas. Com elas, o governo espera economizar R$ 18 bilhões em 2015, 12% do que foi gasto com esses benefícios em 2014, quando as despesas chegaram a R$ 148,3 bilhões.

As novas regras abrangem mudanças no seguro-desemprego, seguro-desemprego do pescador artesanal, abono salarial (cujo pagamento será diluído em 12 meses), pagamento de pensões e auxílio-doença e valem apenas para trabalhadores com carteira assinada -- em 2014, o número de trabalhadores formais no setor privado era de 11,7 milhões, segundo o IBGE.

Para os sindicatos, essas alterações dificultam o acesso do trabalhador aos seus direitos. Uma sugestão seria aumentar a fiscalização por parte dos órgãos responsáveis, como o Ministério do Trabalho, evitando prejudicar o trabalhador na tentativa de reequilibrar as contas públicas. Além disso, as centrais sindicais questionam se as medidas desrespeitam o princípio da vedação ao retrocesso social, segundo o qual direitos sociais que estão em vigor não podem ser retirados ou diminuídos, mesmo que parcialmente. Para os que defendem as mudanças, os direitos permanecem inalterados e visam evitar distorções no sistema.

Por exemplo, agora, para obter o seguro-desemprego pela primeira vez, benefício concedido em caso de demissão sem justa causa, o trabalhador terá que ficar, no mínimo, 18 meses no emprego. Caso recorra novamente ao benefício, terá de comprovar mais 12 meses no trabalho. Na terceira vez, serão seis meses de trabalho imediatamente anteriores à dispensa. Antes, era preciso ter recebido seis salários nos últimos 36 meses, independente de quantas vezes já tivesse requisitado o benefício.

Segundo o governo, essa mudança busca melhorar o sistema de apoio ao desempregado e dificultar o abandono do trabalho em curtos períodos, desestimulando a alta rotatividade do mercado. Nos últimos anos, houve queda nos índices de desemprego no Brasil, mas cresceu o índice de pedidos de auxílio-desemprego. 

Um exemplo do mau uso do benefício seria um trabalhador provocar o desligamento para embolsar o valor do seguro ou mudar de emprego, mas postergar a assinatura da carteira de trabalho para acumular uma renda maior.

No entanto, há dois lados da situação: caso não obtenha os vínculos empregatícios estipulados, o trabalhador perde o direito ao benefício, o que em alguns setores, onde o trabalho pode ser executado em um tempo inferior ao previsto na nova lei, acabará prejudicado.

Terceirização e “pejotização”

A polêmica em torno das mudanças sugeridas pelo governo federal não significa que as leis, normas e novas demandas trabalhistas não precisem ser (re)vistas, como é o caso de temas como a terceirização de mão de obra e as pessoas jurídicas, apelidados de PJs.

A legislação brasileira impede a terceirização de atividades-fim (atividade que identifica a área de uma empresa). Serviços terceirizados só podem ocorrer em três situações específicas (trabalho temporário, segurança e conservação e limpeza) e para serviços associados à atividade-meio (inerente ao objetivo principal da empresa do empregador). 

Essa forma de contratação possibilita a redução nos encargos previdenciários e trabalhistas. No entanto, a lei entende que a terceirização de serviços pode estimular a precarização dos direitos do trabalhador. Para evitar abusos, o contratante e empregado não devem caracterizar uma relação de emprego, como dar ordens diretas aos funcionários da empresa contratada ou exigir cumprimento do horário de trabalho, como se fossem seus empregados. 

Diversos projetos em andamento no Congresso tentam regulamentar a terceirização. O maior receio é que a aprovação de uma lei estimule a terceirização, em vez de regulamentá-la e restringir esse tipo de contratação. O projeto de lei 4.330, por exemplo, quer permitir a terceirização de qualquer atividade. 

Já o profissional liberal é aquele que trabalha como autônomo ou pessoa jurídica e que presta serviços para pessoas ou empresas. Nessa categoria podem se enquadrar profissionais como advogados, corretores, jornalistas, arquitetos, economistas, engenheiros, designers e consultores. Ele abre uma empresa em seu nome e pode emitir nota fiscal com CNPJ próprio ou registro de Microempreendedor Individual (MEI). 

Um lado distorcido desse enquadramento é a chamada “pejotização”, prática que transforma um funcionário de carteira assinada em microempresa. Ela se caracteriza por mascarar a relação de emprego quando um empregador incentiva que o funcionário abra uma empresa em seu nome.

Ao invés de receber um salário, o funcionário passa a emitir nota fiscal pelo serviço prestado. Apesar disso, a relação de trabalho ocorre sob todas as obrigações de um contrato, sendo presentes a subordinação, a onerosidade e a habitualidade, mas sob o rótulo de relação entre empresas.

Esta relação tira do empregador a obrigação pelo pagamento de todos os encargos trabalhistas. Ao se tornar PJ, um profissional deixa de receber benefícios garantidos por lei como 13º salário, férias, contribuição ao INSS e acesso ao FGTS. Além disso, manter como pessoa jurídica um funcionário que cumpre carga horária e subordinação é ilegal.

Dados da Receita Federal, referentes às declarações de rendimentos de 2010, mostram que proprietários de empresas e autônomos somavam 31% mais do que trabalhadores assalariados no setor privado.

Do lado das empresas, há quem defenda uma flexibilização, ou seja, que o país reduza os encargos trabalhistas, facilite o processo de demissões e torne os salários mais compatíveis com a produtividade do empregado. O objetivo seria aumentar a competitividade do Brasil.

No entanto, o governo federal não caminha para realizar uma reforma trabalhista, em todos esses itens sejam revistos. O contexto atual aponta para uma realidade de procura de mão de obra qualificada, que também conta com níveis de informalidade e uma cultura de alta rotatividade no emprego.

Esses são os desafios que confrontam governos e sociedades, empregadores e empregados: qualificar a força de trabalho existente, formalizar os contratos de emprego tirando os trabalhadores do mercado informal e diminuir a rotatividade da mão de obra. Realidades que a legislação trabalhista ainda não conseguiu eliminar.

Os direitos trabalhistas no Brasil

No Brasil, a demanda por uma legislação trabalhista começa na década de 1910, quando o país viveu um boom de imigração, dispondo de muitos imigrantes e ex-escravos como mão de obra. Enquanto o processo de industrialização se acelerava, o movimento operário procurava obter dos empresários e políticos alguma proteção ao trabalho.

Por essas demandas, entre 1917 e 1920 inúmeras greves foram decretadas nos principais centros urbanos do país. Embora algumas demandas tenham sido atendidas, como a lei sobre acidente de trabalho (1919), direito à aposentadoria (1923), lei de férias (1925), regulamentação do trabalho para menores (1926), entre outras, foi só a partir de 1930, no governo provisório de Getúlio Vargas (1930-1934), que essa legislação passou a ser realmente implementada.

Em 1934, o novo texto da Constituição proibia qualquer tipo de distinção salarial baseada em critérios de sexo, idade, nacionalidade ou estado civil. Ao mesmo tempo, ofereceu novas conquistas à classe trabalhadora com a criação do salário mínimo e a redução da carga horária de trabalho para 8 horas diárias. Além disso, instituiu o repouso semanal e as férias remuneradas, a indenização do trabalhador demitido sem justa causa e proibiu o uso da mão de obra de jovens menores de 14 anos.

Em 1º de maio de 1940, já no Estado Novo (1937-1945) o governo Vargas cria um salário mínimo nacional. Mais tarde, em maio de 1943, todo o conjunto de leis, decretos e normas trabalhistas existentes é sistematizado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Ao longo dos anos foram criadas outras leis que regulam itens específicos da relação trabalhista, como o recolhimento do FGTS e a participação nos lucros, e mudanças posteriores, como as que recentemente estabeleceram novas regras para a contratação de empregadas domésticas. 

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