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"Apesar 'da' ou 'de a' maioria ser contra?"

Atualizado em 28/01/2015, às 13h30

Por Dílson Catarino*:

Apesar da maioria da população ser contra, a partir deste ano os impostos serão maiores.

Dias desses recebi um e-mail de uma jornalista (cujo nome omito, por não ter recebido autorização para divulgá-lo) com uma dúvida interessante. Eis sua pergunta:

"Em primeiro lugar gostaria de parabenizá-lo pelo alto grau de conhecimento e domínio dessa língua maravilhosa, a nossa Língua Portuguesa.

Sou jornalista e achei que sabia um pouco de português, mas depois de ler algumas das suas explicações fiquei pasma com minha ignorância em certos assuntos. Bom, a minha dúvida é com relação às seguintes expressões:

a partir de, através de, apesar de.

Sei que existe um regra que impede de juntar essa preposição de com o artigo, por exemplo: apesar da, a partir do e através dessa...

Como funciona isso, quando não se pode usar, quais as expressões e por quê?"

Agora, eis minha resposta:

Não existe regra que impeça juntar a preposição de com os artigos; aliás é mais frequente a contração das preposições de, em e por com os artigo o, a, os, as: do, da, dos, das, no, na, nos, nas, pelo, pela, pelos, pelas do que a combinação dos elementos separadamente. Veja alguns exemplos:

  • Acredito nas suas palavras
  • Rezo pela recuperação dele
  • Apesar da crise, cresceremos nos próximos anos
  • A partir da próxima segunda-feira, atenderemos somente no período da manhã
  • A luz solar passa através das janelas
  • Está na hora do recreio

Em nenhum dos exemplos citados, a preposição e o artigo poderiam ficar separados.

A contração da preposição com o artigo passa a ser equivocada se o elemento posterior à preposição funcionar como sujeito de um verbo. Se o elemento posterior à preposição funcionar como sujeito, o artigo deverá ficar isolado. Por exemplo:

Apesar de a crise ainda existir, cresceremos nos próximos anos.

(Perceba que o substantivo crise funciona como sujeito do verbo existir, já que Que é que existe?: Resposta: a crise. A preposição de e o artigo a devem, portanto, ficar separados - de a - e não juntos. Seria inadequado, portanto, escrever Apesar da crise ainda existir... )

Está na hora de os alunos descansarem. (o substantivo alunos funciona como sujeito do verbo descansar, já que Quem é que descansará?: Resposta: os alunos. A preposição de e o artigo os devem, portanto, ficar separados: - de os - e não juntos. Seria inadequado, portanto, escrever Está na hora dos alunos descansarem... .

O mesmo acontecerá com os pronomes ele(s), ela(s), este(s), esta(s), isto, esse(s), essa(s), isso, aquele(s), aquela(s), aquilo. Por exemplo:

  • Apesar de isso ainda existir, cresceremos nos próximos anos. (Que é que existe? Resposta: isso)
  • Está na hora de eles descansarem. (Quem é que descansará? Resposta: eles).
  • No momento de aquelas leis serem respeitadas, todos se omitem. (Que é que será respeitado? Resposta: aquelas leis)

Mais um detalhe: a locução a partir de... não recebe o acento indicador de crase, já que este acento só deve ser usado diante de palavras femininas. O adequado, portanto, é sempre a partir de.

Claro está que apresento tudo isso segundo as normas cultas de nossa língua. No dia a dia não nos preocupamos com as regras gramaticais e nos comunicamos com a contração sempre. Não quero dizer que os brasileiros que assim o fazem estejam errados. Quero apenas registrar a norma culta, a forma adequada, para os interessados em escrever e falar melhor a nossa língua.

Como fica, então, a frase apresentada no início da coluna, segundo a norma culta? Analisemo-la:

O verbo ser exige como sujeito a expressão a maioria da população, já que Quem é contra? Resposta: a maioria da população. A preposição e o artigo devem, então, ficar separados.

A locução a partir de não pode receber o acento indicador de crase.

A frase, portanto, deverá ser assim estruturada por quem quiser falar e escrever adequadamente, segundo a norma padrão:

Apesar de a maioria da população ser contra, a partir deste ano os impostos serão maiores.

*Professor de gramática da língua portuguesa, literatura e redação, desde 1980.