Topo

"Novos pedidos são feitos para que se julgue os genocidas"

Atualizada em 02/02/2015, às 13h02

Por Dílson Catarino*:

"Novos pedidos são feitos para que se julgue os genocidas no Camboja"

Em época de vestibulares, nada melhor que uma frase típica das que surgem nas questões das provas. Se eu preparasse um teste para a Unicamp, pediria que o vestibulando identificasse a inadequação gramatical da frase apresentada, retirada de uma manchete de jornal, e a corrigisse. E aí? Você descobriu a inadequação? Vamos à explicação.

O problema está no uso do verbo "julgar" no singular quando deveria estar no plural, já que o seu sujeito se encontra no plural. À primeira vista, parece que o sujeito de "julgar" não está presente à frase, pois "alguém julgará os genocidas", em que "alguém" será o sujeito, e "os genocidas" o objeto direto, o complemento do verbo, que é transitivo direto. Não é o que acontece, porém. O sujeito de "julgar" é o substantivo "genocidas", por isso a concordância deve ser efetivada no plural. O que transforma "genocidas" em sujeito é o pronome "se", chamado de partícula apassivadora, ou pronome apassivador. Como o próprio nome diz, esse pronome evidencia que a oração está na voz passiva, voz verbal que indica que o sujeito sofre a ação verbal. Quem será julgado? Os genocidas, portanto este substantivo funciona como sujeito de "julgar".

Isso acontecerá sempre que houver "verbo transitivo direto" com "objeto direto" acompanhado do pronome "se". Este se chama "partícula apassivadora", o que transforma o objeto direto em "sujeito" e leva o verbo a concordar com ele.

Verbo transitivo direto é aquele que tem um complemento sem preposição. Provamos que um verbo é transitivo direto com frases como "quem ama, ama alguém", "quem compra, compra algo", "quem aprecia, aprecia algo", "quem leva, leva algo", "quem conhece, conhece alguém".

Como o verbo "julgar" se encaixa nesses exemplos - "quem julga, julga alguém" - é verbo transitivo direto. Ele está acompanhado de seu objeto direto: "Quem é julgado?" Resp.: os genocidas. Como há o pronome "se", o nome dele será "partícula apassivadora", o objeto direto - os genocidas - se transforma em sujeito, que está no plural. Por isso o verbo julgar tem de ficar no plural. A frase apresentada, então, deveria ser assim estruturada:

"Novos pedidos são feitos para que se julguem os genocidas no Camboja"

*Professor de gramática da língua portuguesa, literatura e redação, desde 1980.