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Discreto ou discretamente?

Atualizada em 27/01/2015, às 17h20

Por Dílson Catarino*:

"Discreto, Ronaldo completa 38 anos"

Errada gramaticalmente essa frase não está, mas contém uma informação incorreta. Vamos à explicação: adjetivo é uma palavra que, segundo o dicionário Aurélio, modifica substantivo, indicando a este qualidade (homem contente), caráter (homem mortal), modo de ser (homem discreto) ou estado (homem doente).

Já advérbio, ainda segundo o Aurélio, é uma palavra invariável que modifica um verbo (agir discretamente), um adjetivo (muito contente) ou outro advérbio (muito bem), exprimindo circunstância de tempo, lugar, modo, dúvida, afirmação, negação ou intensidade.

A frase em questão apresenta o adjetivo discreto, cujo significado é reservado em suas palavras e atos; prudente; recatado, modesto. O simples fato de essa frase ser notícia demonstra que Ronaldo não possui a qualidade de discreto. Nem que ele o queira ser!

A propósito, observe que nem precisei especificar quem é o Ronaldo sobre o qual estou escrevendo. Todos sabem de quem se trata. Se fosse o outro, escreveria Ronaldinho. Discreto, portanto, ele não é. Aliás, ambos não o são (isso não é uma crítica a nenhum deles; apenas uma constatação semântica).

Posto isso, conclui-se que a frase apresentada não deveria conter o adjetivo discreto. Deveria, sim, conter um advérbio, pois não é Ronaldo que é discreto, e sim o modo como ele comemorou seu aniversário: discretamente. A palavra usada, portanto, teria de ser um advérbio, que modificaria o verbo comemorar. Poderia ser discretamente ou reservadamente.

  • Discretamente, Ronaldo completa 38 anos.
  • Reservadamente, Ronaldo completa 38 anos.

Há, porém, alguns casos - raros - em que se pode usar um adjetivo no lugar de um advérbio, sem que este perca a sua qualidade de advérbio. Quando isso ocorrer, dizemos que houve derivação imprópria (mudança de classe gramatical), e a palavra em questão fica invariável.

É o que acontece na propaganda de uma cerveja bastante conhecida pelos brasileiros, em que se registra a seguinte frase: "A cerveja que desce redondo". Não é a cerveja que é redonda, e sim o modo como ela desce, por isso não há a concordância entre cerveja e redondo, ou seja, por isso redondo não está no feminino; é um advérbio; não um adjetivo.

Outro exemplo: "As aves voavam baixo". Não são as aves baixas, mas sim o modo como voavam. É advérbio; não adjetivo.

Observe, então, que, muitas vezes, uma frase carrega um significado não pretendido por seu autor. Não há problema algum quando isso ocorre em um texto informal ou mesmo num jornal ou na Internet, como foi o caso comentado, mas passa a ser problema quando há a necessidade de elaborar um texto oficial ou uma redação em algum concurso ou mesmo uma redação para conseguir um emprego.

*Professor de gramática da língua portuguesa, literatura e redação, desde 1980.