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06/06/2007

Irmãos
Amor fraterno existe, sim, mas ódio e rivalidade também

Antonio Carlos Olivieri*
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Reprodução

Detalhe de quadro do pintor renascentista italiano Tintoretto mostra o assassinato de Abel

Detalhe de quadro do pintor renascentista italiano Tintoretto mostra o assassinato de Abel

Indiciado pela Polícia Federal por tráfico de influência, Genival Inácio da Silva não é o primeiro irmão a causar problemas a um presidente da República na história do Brasil. Já houve problemas bem mais graves.

Traição, rivalidade ou ódio entre irmãos é também um dos temas de reflexão filosófica ou literária mais antigos do mundo. Conhecê-lo é importante para a formação cultural e, com certeza, segundo os psiquiatras Freud ou Jung, um ponto de partida para a compreensão de parte da psique humana.

Antes de se falar de filosofia e ficção, vale a pena rememorar nossa história recente. Em 1991, Fernando Collor de Mello - primeiro presidente eleito pelo voto direto depois do governo militar e atualmente senador da República - viu-se envolvido num grande escândalo de corrupção, que incluía seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias.

Entre as várias testemunhas que acusavam o presidente, encontrava-se ninguém menos que seu irmão, o empresário Pedro Collor de Mello, que chegou a publicar um livro intitulado "Passando a Limpo - A Trajetória de um Farsante", relatando os bastidores do poder sob a gestão de Fernando Collor. Sua entrevista denunciando o irmão, em maio de 1992, foi o início do fim da "Era Collor"

Passando a limpo
O título é expressivo do sentimento que nutria Pedro por Fernando. Qual o motivo dessa raiva ou aversão? Entre as muitas versões que circularam na época, estava um suposto romance entre Fernando Collor e sua cunhada, a mulher de Pedro, Tereza Collor, uma morena indiscutivelmente bela, que a mídia da época chegou a apelidar de a "Musa do Impeachment". Que fique claro: o romance Fernando e Tereza jamais foi comprovado e só um psicanalista poderia devassar a mente de Pedro Collor para descobrir os seus verdadeiros motivos.

Independentemente dos aspectos políticos dos fatos - que resultaram na renúncia de Collor para evitar o impeachment, em 1992 - há que se reconhecer o caráter trágico de toda história: dona Leda Collor, a matriarca da família, entrou em coma durante o processo e assim permaneceu durante 29 meses, até morrer, em 25 de fevereiro de 1995; Pedro Collor morreu de um câncer no cérebro, em 19 de dezembro de 1994; P. C. Farias, o pivô da tragédia, apareceu morto com sua amante, em circunstâncias suspeitas, nunca definitivamente esclarecidas, em 23 de junho de 1996.

Caim e Abel
Mas as histórias trágicas envolvendo irmãos são antiqüíssimas e a mais célebre delas se encontra no Gênesis, o primeiro livro do Antigo Testamento, livro sagrado de judeus e cristãos, além de ser também uma excepcional obra literária, cada vez mais estudada por críticos de literatura, independentemente de suas crenças. Trata-se da história de Caim e Abel, os primeiros descendentes de Adão e Eva.

Tomado de inveja pela preferência que Deus demonstra em relação a seu irmão Abel, Caim o mata e se torna o primeiro fratricida (assassino do irmão) conhecido pela posteridade. Vale observar que Caim era agricultor e Abel pastor e que a narrativa talvez tenha um fundo histórico, retratando um conflito entre tribos pastoris e agrícolas, em tempos imemoriais.

No âmbito simbólico, a história de Abel e Caim tematiza a inveja e não é a única na Bíblia em que irmãos têm inveja entre si. Também no Gênesis se encontra o episódio de Esaú e Jacó. Para ter os privilégios de filho primogênito, Jacó com os auxílio de sua mãe, Rebeca, engana o pai Isaac, que estava cego, e recebeu dele a bênção que a tradição destinava a Esaú.

Embora tenha concordado com a trama e cedido seu direito à primogenitura por um mísero prato de lentilhas (o que simboliza a troca de um bem espiritual por um material), Esaú acaba querendo matar o irmão, que se vê obrigado a fugir. Mais tarde, porém, eles se reconciliam. O ciclo de narrativas relativo a Jacó é longo e seus 12 filhos dão origem às 12 tribos de Israel (nome adotado pelo próprio Jacó por ordem divina).

Machado de Assis
"Esaú e Jacó" é também o título de um dos grandes romances da chamada segunda fase de Machado de Assis, cuja temática é o ódio entre irmãos gêmeos, Pedro e Paulo, que, segundo Machado já brigavam no ventre materno. Embora idênticos nas feições, Pedro e Paulo têm personalidades opostas, que simbolizam suas vocações políticas: um é monarquista e o outro republicano.

Uma das interpretações de "Esaú e Jacó" aponta justamente nesse sentido: Machado mostra como, no Brasil, Monarquia e República são as duas faces de uma mesma moeda. Uma e outra mantiveram a maioria da população do país no que se chama hoje em dia de um regime de exclusão social. Como a exclusão é ainda um grande problema da sociedade brasileira, vê-se aí a atualidade da obra machadiana.

Quando se fala em Machado, especificamente ao tratar da temática da fraternidade, não se pode deixar de mencionar um outro grande narrador do século 19, o russo Dostoiésvski, cuja obra-prima também retrata uma tragédia familiar, protagonizada por três irmãos: "Os Irmãos Karamazov". É difícil dizer algo sobre esse romance em poucas linhas. Sigmund Freud, no entanto, arriscou uma opinião e disse que "é a maior obra da literatura".

Incesto e assassinato
Não só a rivalidade entre irmãos inspirou enredos literários, contudo. Em 1722 o escritor e jornalista inglês Daniel Defoe - o autor do célebre "Robinson Crusoé" - publicou uma obra de leitura muito fácil, intitulada "As Confissões de Moll Flanders", em que a personagem principal, uma bela mulher que adota o pseudônimo de Moll, narra suas memórias. Entre suas várias peripécias, o leitor descobre que ela, filha de uma prostituta que a abandonou ainda no berço, acaba se casando, sem o saber, com o próprio irmão.

Irmãos que se desconhecem também são constantes na literatura, inclusive a popular. Um belo exemplo é a música "Chico Mineiro", composição de Tonico e Francisco Ribeiro, interpretada pelo próprio Tonico e seu parceiro Tinoco. Trata-se de uma composição narrativa, em que se conta a história de dois companheiros que conduzem uma boiada, até que um assassinato vem separá-los. Vale a pena escutar .

*Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação. olivieri@pagina3ped.com
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