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17/01/2007

Os 300 de Esparta
Da história antiga para os quadrinhos e destes para o cinema

Túlio Vilela*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Divulgação/Warner Bros.

Cartaz do filme, com Rodrigo Santoro no papel de Xerxes

Cartaz do filme, com Rodrigo Santoro no papel de Xerxes

O filme "300" nem estreou nos cinemas (a estréia no Brasil está prevista para 30 de março de 2007) e já está despertando a curiosidade do público. Em primeiro lugar, por se tratar da adaptação cinematográfica da série de histórias em quadrinhos "Os 300 de Esparta" (cujo título original é apenas "300"),escrita e desenhada pelo norte-americano Frank Miller, autor que possui uma verdadeira legião de fãs no mundo inteiro.

Em segundo lugar, mas nem por isso menos significativo, pelo fato de o ator brasileiro Rodrigo Santoro fazer parte do elenco. No filme, Santoro interpreta um dos papéis principais,o do rei persa Xerxes. Os 300 aos quais o título se refere são os guerreiros espartanos liderados por Leônidas, rei de Esparta, na batalha de Termópilas, travada contra o Império persa por volta do ano 480 a. C. Termópilas é o nome do desfiladeiro onde foi travada essa batalha entre espartanos e persas.

Fidelidade aos quadrinhos ou à história
Provavelmente, o filme irá satisfazer aqueles que esperam uma adaptação fiel dos quadrinhos de Frank Miller. No entanto, certamente, irá decepcionar aqueles que esperam uma reconstituição fiel da batalha de Termópilas. Isso ocorre porque os quadrinhos que inspiraram o filme estão longe de primarem pela fidelidade histórica.

Vale lembrar que, ao contrário do que tem sido noticiado em algumas notas veiculadas pela mídia, o filme que vai estrear não é uma refilmagem de "300 de Esparta" (cujo título original é "300 Spartans"), produção de 1962, filmada na própria Grécia e dirigida por Rudolph Maté.

A relação entre os dois filmes resume-se aos fatos de que ambos tratam do mesmo episódio e de que o próprio Frank Miller admitiu em entrevistas que o filme de 1962 o influenciou a criar para os quadrinhos a sua própria versão da batalha das Termópilas.Miller assistiu "300 de Esparta" pela primeira vez quando ainda era garoto, experiência essa que despertou seu interesse pelo assunto.

A inspiração do filme
Nos Estados Unidos, "300" foi publicado originalmente na forma de uma minissérie em cinco capítulos (o primeiro foi lançado em maio de 1998). Miller escreveu e desenhou a história, que recebeu colorização de Lynn Varley, colorista veterana e também esposa de Miller.

Com o sucesso da minissérie, a editora norte-americana Dark Horse lançou uma edição de luxo encadernada e com formato maior, reunindo os cinco capítulos. No Brasil, essa obra foi publicada duas vezes com o título "Os 300 de Esparta". A primeira vez em 1999, pela Editora Abril que lançou a minissérie, mas não a edição encadernada. Mais recentemente, em dezembro de 2006, a Devir Editora lançou justamente a tradução dessa edição encadernada.

O grande diferencial dessa edição encadernada é o formato horizontal, o que faz com as páginas, especialmente aquelas com cenas panorâmicas ou de batalhas,fiquem mais parecidas com uma tela de cinema. Esse formato horizontal, chamado de "wide screen", confere um tom épico à narrativa. Na minissérie original, que foi a versão publicada aqui pela Abril, as páginas foram impressas no tradicional formato vertical. Por isso, os quadros foram divididos em páginas duplas.

Basta de super-heróis
Diferente do que ocorre na Europa, onde existe uma longa tradição de quadrinhos que tratam de temas históricos, nos Estados Unidos, a maioria dos gibis trata de fantasias escapistas envolvendo super-heróis.Por isso, quando a minissérie em quadrinhos "300" foi publicada pela primeira vez nos Estados Unidos, ela foi recebida com surpresa e curiosidade tanto pelo público quanto pela crítica.

Na época, Frank Miller já era um prestigiado roteirista e desenhista de quadrinhos. Foi esse prestígio que permitiu que Miller conseguisse que uma das quatro maiores editoras de quadrinhos dos Estados Unidos, a Dark Horse, topasse lançar a minissérie "300". No entanto, vale lembrar que essa minissérie não foi a primeira obra em quadrinhos a narrar a batalha das Termópilas.

Em 1963, a Dell, uma antiga editora norte-americana, publicou o gibi "Lion of Sparta" ("Leão de Esparta"),uma adaptação para os quadrinhos do filme "300 de Esparta" (o "leão" ao qual o título se refere é o herói espartano Leônidas). A versão mais antiga era dirigida ao público infanto-juvenil (obedecendo aos limites impostos pela censura da época) enquanto a de Miller é mais explícita na violência, o que a torna mais aconselhável para leitores adultos.

Fato e fantasia
Em linhas gerais, a história contada nos quadrinhos de Frank Miller é a mesma relatada pelo historiador grego Heródoto (484-425 a.C.) : um pequeno exército de 300 espartanos, liderados pelo rei Leônidas, oferece uma heróica resistência contra um inimigo muito mais poderoso, o exército persa, enviado pelo rei Xerxes.

Trata-se de uma história em quadrinhos livremente baseada em fatos e personagens históricos. O roteiro e a narrativa de Miller são envolventes, recheados de ação. No entanto, convém destacar que o autor comete uma série de anacronismos(erros sobre datas, fatos, circunstâncias) no que se refere à questão da fidelidade histórica (ou falta dela).

Vale lembrar que se trata de uma obra produzida com fins de entretenimento, por isso não podemos esperar que seja uma reconstituição exata dos fatos em que se baseia.Segundo alguns críticos e a maioria dos fãs de Miller, esses anacronismos devem ser entendidos como "licença poética" (liberdades tomadas pelo autor para tornar a narrativa mais interessante). Outros críticos discordam, para eles, os anacronismos apresentados em "300" são erros crassos mesmo. Na visão desses críticos, seriam erros grosseiros demais para serem tomados por licença poética.

Piercings e rastafáris
Esses anacronismos estão presentes, por exemplo, nas caracterizações de algumas das personagens,a começar pelo próprio rei Xerxes, que Miller retratou cheio de piercings pelo corpo, um visual que lembra muito mais o de uma "tribo urbana" dos dias de hoje do que o de um monarca da Pérsia Antiga. Outra caracterização anacrônica é a do mensageiro persa que aparece no início da história: um homem negro com visual rastafári.

Negros eram minoria no Império persa, mas, com certeza, o visual rastafári não era adotado por nenhuma delas. Vale lembrar que os persas eram um povo de pele branca, mas o Império persa abrangia diversas nações e territórios conquistados, por isso não seria impossível encontrar um mensageiro de pele negra (segundo relatos antigos, o exército persa era formado por soldados de diversas etnias).Outra imprecisão está na caracterização dos soldados espartanos.

Embora Miller afirme que tenha consultado o livro "Warfare in the Classical World", escrito por John Gibson Warry, obra de referência sobre os trajes e armas usadas por soldados gregos e romanos, ele pareceu dar pouca importância a desenhar os soldados com os devidos trajes de combate (que incluíam coletes, joelheiras, capacetes, etc.). Em muitas passagens, todos os soldados são mostrados lutando nus ou seminus, ou com os trajes muito diferentes dos que eram realmente utilizados.

Fontes e elefantes
Um aspecto a ser considerado é a natureza das fontes utilizadas por Miller. Ele usou referências que, em sua maioria, são recriações contemporâneas do episódio e não fontes históricas propriamente ditas. Uma dessas referências foi o já citado filme "300 de Esparta" (1962). Outra inspiração foi o livro "Lion in the Gateway: The Heroic Battles of the Greeks and Persians at Marathon, Salamis and Thermopylae" ("O leão na passagem: As batalhas heróicas de gregos e persas em Maratona, Salamina e Termópilas"), obra de divulgação escrita por Mary Renault (1905-1983), autora inglesa especializada em romances históricos ambientados na Grécia Antiga.

A principal fonte histórica usada por Miller é o relato de Heródoto, que também apresenta problemas. Heródoto não testemunhou a batalha das Termópilas, e mesmo que a tivesse testemunhado, se lembraria de pouca coisa, pois tinha na ocasião apenas uns quatro anos de idade. Além disso, Heródoto não era seletivo em suas fontes, misturando informações históricas com lendas e mitos. Por isso, seus relatos costumam conter alguns elementos fantasiosos e explicações sobrenaturais para os fatos, atribuindo vitórias ou derrotas à intervenção dos deuses.

No quinto capítulo da narrativa, Miller retrata o exército persa utilizando elefantes durante a batalha. É bastante improvável que os persas tenham utilizado elefantes em Termópilas. Embora o Império persa tenha realmente sido um dos primeiros a utilizar elefantes como "tanques de guerra" em combates, esses animais eram utilizados apenas em algumas situações específicas.

Outra batalha
Os elefantes podiam ser ótimos para surpreender e pisotear os inimigos, mas sua utilização exigia uma série de cuidados e a superação de diversos obstáculos: os animais precisavam ser alimentados - já não era fácil garantir alimento para os soldados. Era difícil transportar animais tão grandes nos navios da época, muitos animais morriam doentes durante as viagens; os elefantes machos, por serem mais agressivos, dificilmente podiam ser controlados.

Por fim, quando um elefante enlouquecia ou enfurecia, podia pisotear soldados dos dois lados (o que obrigava o condutor do animal a sacrificá-lo, geralmente desferindo um golpe de lança na cabeça do animal). Com certeza, Frank Miller tomou a liberdade de incluir elefantes no roteiro com o objetivo de tornar a sua narrativa mais movimentada e atraente.

Nessa seqüência específica é possível que ele tenha se inspirado não na batalha de 280 a.C., mas numa outra batalha travada tempos depois no mesmo local: no ano 191 a.C., nas Termópilas,o soldados do Império selêucida enfrentaram o poderoso exército romano. Nessa batalha, os selêucidas utilizaram elefantes, mas os romanos saíram vitoriosos.

Popularizando a história
Enfim, "Os 300 de Esparta" está longe de ser uma "aula de história", como costumam afirmar os fãs mais entusiasmados. Mas, com certeza, trata-se de uma obra que pode ajudar a tornar o estudo da história mais interessante.

O principal mérito dessa história em quadrinhos de Frank Miller foi popularizar um episódio da história antiga, despertando o interesse pelo assunto em pessoas que jamais haviam lido qualquer coisa a respeito sobre a batalha de Termópilas. Após lerem os quadrinhos, muitos leitores passaram a procurar informações sobre o assunto em outras fontes.

Exemplo disso é que um dos blogs mais acessados é o 300 blogs about Frank Miller's '300' ("300 blogs sobre '300' de Frank Miller"), criado por um fã dos quadrinhos e que reúne diversas imagens e informações a respeito das lutas entre gregos e persas.

»Batalha de Termópilas

*Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de "Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula". pagina3@pagina3ped.
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