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17/08/2006

Presos políticos
Golpe de Estado e repressão no Brasil, na Argentina e no Chile

Antonio Carlos Olivieri*
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Reprodução

Stuart Angel Jones, o filho desaparecido de Zuzu Angel

Stuart Angel Jones, o filho desaparecido de Zuzu Angel

O filme "Zuzu Angel", de Sérgio Resende, que tem Patrícia Pillar como personagem-título, trata de um das centenas de episódios trágicos de torturas e mortes ocorridos durante o regime militar brasileiro, implantado através de um golpe de Estado, em 31 de março de 1964: a prisão e o desparecimentode Stuart Angel Jones, filho da estilista e militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), no que se convencionou chamar de "os porões da ditadura" - com o que se designa a atuação violenta e clandestina do regime na repressão a seus opositores.

Do mesmo modo, o filme aborda também a morte da própria Zuzu Angel num acidente em circunstâncias não esclarecidas, que pôs fim a sua cruzada para denunciar a repressão política no Brasil e recuperar o corpo do filho.

O acidente com a estilista ocorreu em 1976, portanto, há 40 anos. Trata-se de um tempo considerável quando se pensa na média de vida de um ser humano, mas de muito pouco tempo, quando se pensa a partir da perspectiva da história do Brasil ou universal. Essa reflexão se impõe a qualquer pessoa que queira pensar, com a devida isenção e objetividade científica, os fatos de um passado recente em termos propriamente históricos.

Distanciamento histórico
É justamente este o caso do regime militar, do qual estamos livres há apenas 21 anos. Ainda não decorreu tempo suficiente para que se possa fazer uma avaliação efetivamente objetiva desse período em termos de história. Não há dúvida nenhuma de que se pode dizer que o regime foi ditatorial, especialmente depois do Ato Institucional no. 5, de 1968. Também é inquestionável que a ditadura torturou, matou e escondeu cadáveres, o que é exatamente o tema de "Zuzu Angel".

Outras questões, porém, permanecem abertas e vale a pena levantá-las. Elas ainda vão motivar e instigar os historiadores do país por muitos anos. Quais seriam essas questões? Em primeiro lugar, o próprio nome que se dá à implantação do regime militar brasileiro. Os militares, que o implantaram, sempre fizeram questão de chamá-lo de Revolução. Ao contrário, seus opositores nunca deixaram de insistir que se tratou de um golpe de Estado.

Golpe ou revolução?
De fato, a deposição do presidente eleito João Goulart por forças políticas e militares caracteriza um golpe de Estado. No entanto, esses golpes, em geral, são o que marcam o início de qualquer revolução. Por exemplo, foi um golpe de Estado em novembro de 1922 (outubro pelo calendário russo), com a deposição do premiê Kerensky, que marcou o início da Revolução russa. A revolução propriamente dita se estende até o início do governo de Josef Stálin.

O que caracteriza uma Revolução não é o modo pelo qual ela começa. É o seu desenvolvimento, com a introdução de uma nova ordem social, política e econômica no lugar onde ela ocorreu. Isso o golpe de março de 1964 não fez no Brasil. Pelo contrário, ele aconteceu para conservar a velha ordem, que se encontrava ameaçada pelo avanço dos grupos políticos de esquerda no governo João Goulart, fossem esses grupos comunistas, populistas ou simplesmente antiamericanistas (vale lembrar que se estava no contexto da Guerra Fria).

Em outras palavras, o movimento político-militar de direita que se impôs ao Brasil em 1964 pode bem ser considerado uma contra-revolução, uma vez que veio para deter a instauração de uma nova ordem, socialista, no país, que era para onde as esquerdas procuravam empurrar o governo de Jango. Já existem historiadores que pensam dessa forma, mas é impossível dizer, por enquanto, se essa interpretação vai prevalecer no futuro.

Contabilidade macabra
Outra questão que não deve ser esquecida foi levantada pelo cientista político Anthony Pereira, da Universidade de Tulane (Nova Orleans), estudioso da história recente da América do Sul. Ele se perguntou por que ocorreu uma diferença muito grande na quantidade de presos políticos, mortos e/ou desaparecidos, e exilados nas ditaduras do Brasil, da Argentina e do Chile. Vale a pena mencionar os números, antes de apresentar a resposta de Pereira.

No Brasil, em 21 anos de regime militar, houve 300 mortos e/ou desaparecidos, 25 mil presos políticos e 10 mil exilados. Na Argentina, em sete anos de ditadura (1976-1983), os mortos e/ou desaparecidos foram 30 mil, assim como os presos políticos, e os exilados 500 mil. Finalmente, no Chile, em 17 anos da ditadura Pinochet, morreram ou desapareceram 5 mil pessoas, houve 60 mil presos políticos e 40 mil exilados.

Pois bem, segundo Pereira, o que torna a contabilidade mais branda e menos trágica para a ditadura brasileira é o fato de ela ter feito do Poder Judiciário um braço da repressão, ao aplicar a Lei de Segurança Nacional contra os "inimigos do Estado". Isso não aconteceu nos tribunais militares "de guerra" do Chile e muito menos na repressão argentina, que ocorreu clandestina e extrajudicialmente.

O papel do Judiciário
O fato de o Poder Judiciário não ter sido simplesmente posto de lado pelo regime militar brasileiro garantiu que parte significativa dos presos políticos tivessem seu paradeiro rastreado e algum espaço para a defesa, ainda que limitada. De qualquer forma, isso garantiu a sobrevivência de cerca de 7.400 presos que sofreram processos políticos no Brasil.

Além disso, a esquerda armada no Brasil nunca foi muito forte, nem contou com apoio popular significativo, de modo que o regime militar brasileiro nunca a considerou uma grande ameaça a seus interesses, ao contrário do que ocorreu nos outros dois países sul-americanos.

Com esses dados, nem Anthony Pereira, nem este artigo querem exercer o papel de advogado do diabo e diminuir as atrocidades cometidas pela ditadura brasileira. Apenas vale lembrar que a história é sempre mais complexa do que uma luta de mocinhos e bandidos. E também que casos como os de Stuat Angel Jones, Vladimir Herzog e Manuel Santos Filho, por mais terríveis que sejam, felizmente foram exceções e não a regra durante o regime autoritário de 1964-1985.

Em tempo: os dados da tese de Anthony Pereira foram extraídos de entrevista por ele concedida à "Folha de S. Paulo", em 5 de abril de 2004.
*Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.
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